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Carolina Michaëlis de Vasconcelos e netos
[Lusitania, fasc. 10, 1927]
"Em
cima da minha mesa de escrever está um retrato, ou melhor, um
grupo, representando uma senhora sentada, cujos braços enlaçam
amorosa e triumphantemente dois interessantes meninos, em pé e
meigamente encostados aos joelhos da avósinha, que parece mãe
d'elles: - é D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos com os netinhos.
É ella tal e qual; é tanto ella que á vista d'este retrato custa-me
imaginá-la com o seu capello de doutora, a cabeça inclinada sobre
algum manuscripto de passados seculos, o olhar escrutinador
investigando a sua autenticidade" (Luise Ey, p. 231)
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Como se vê, esta
filóloga - portuguesa, por casamento e por devoção - nasceu na
Alemanha. Tendo estudado num colégio, e depois em casa com
professor particular, o romanista Goldbeck, Carolina Michaëlis já
aos 16 anos publicava uma recensão a Adolfo Mussafia ("Altspanische
Prosadarstellung der Crescentiasage von A. Mussafia - Wien, 1866",
Archiv für das Studium der neueren Sprachen und
Litteraturen, 41, 1867, pp. 106-112); antes dos vinte, uma
edição do Romancero do Cid (Leipzig, 1871); um ano passado entra
como intérprete do Ministério do Interior alemão para os assuntos
da Península Ibérica. Da deriva do interesse pela cultura hispânica
para temas mais especificamente portugueses resulta conhecer
Joaquim de Vasconcelos - musicólogo, historiador de arte, que
estudara na Alemanha e que, por aquela altura, ao lado de Antero e
de Adolfo Coelho, se houvera contra Castilho na polémica da
tradução do Fausto ("Alguns artigos que publicou sobre
litteratura portuguesa foram attraindo a attenção de um grupo de
jovens patriotas que, em caloroso enthusiasmo, exprimiram a sua
admiração e gratidão á novel auctora"); com Joaquim se casaria
Carolina em Berlim, em 1876. Chegou nesse ano ao Porto, mas em 1877
estará uns meses na Biblioteca da Ajuda, "meses felizes e
saudosos", a "decifrar e copiar, com paixão e paciéncia, essas
pájinas seis vezes seculares", ou seja, o Cancioneiro da Ajuda. Os
trabalhos de edição do Cancioneiro demorariam a completar-se 27
anos (publicação dos dois volumes de edição crítica e comentada em
1904, em Halle; para não contar com glossário: Revista
Lusitana, 23, 1920, pp. 1-95), ilustrando bem características
de D. Carolina, "pesquisa dos materiais, levada até ao extremo",
"tratamento completo de todos os dados disponíveis conducentes à
solidez e à validade das teses" (Maria Ana Ramos, "Palavras entre
filólogos: uma carta de Leite de Vasconcellos a Carolina
Michaëlis", Estudos Portugueses. Homenagem a Luciana Stegagno
Picchio, 1991, pp. 143-158, p. 135)"). Em 1911, convidada para
professora da Faculdade de Letras de Lisboa, transfere-se para a
Universidade de Coimbra, onde lhe era mais fácil leccionar mantendo
residência no Porto. No mesmo ano é eleita para a Academia das
Ciências, o que, por se tratar de mulher, ainda foi objecto de
discussões e melindres. (Sobre a maneira de ser de Carolina
Michaëlis, veja-se o artigo de Luise Ey, sua amiga, "Dona Carolina
Michaëlis na intimidade", Boletim da Segunda Classe..., pp.
231-245; um exemplo só: "Lembra-me uma famosa pesca no porto de
Leixões, onde D, Carolina apanhou á isca um polvo enorme que ao
jantar fez a delicia do esposo".)
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Carolina Michaëlis em 1876, à época do seu casamento
[Lusitania, fasc. 10, 1927]
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Não é possível
reportar-se aqui nem o essencial da sua produção nas áreas
camoniana, vicentina, mirandina, bernardina, da romancística e,
claro, da lírica trovadoresca, enfim todos os seus contributos para
o conhecimento da literatura medieval e clássica - vejam-se a
bibliografia que abre a Miscelânea de estudos em honra de D.
Carolina Michaëlis de Vasconcellos, professora da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra (Coimbra, 1933), ou, para
síntese, o verbete sobre a filóloga no Dicionário da Literatura
Medieval Galega e Portuguesa (organizado por G. Lanciani e G.
Tavani; Lisboa, 1993). E também não mencionaremos a bibliografia de
um seu campo de acção secundário, os estudos etnográficos - veja-se
uma lista de trabalhos etnográficos em José Leite de Vasconcelos,
Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, 1, Lisboa,
1933, p. 275. Mesmo assim, a edição do Cancioneiro da Ajuda
(Halle, 1904, 2 volumes; há desses dois volumes e do glossário
saído em 1920 recente reimpressão, precedida de prefácio por Ivo
Castro: Lisboa, 1990, 2 volumes), a que com justiça se costuma
acrescentar o epíteto "monumental", é adequado interface até
chegarmos à bibliografia mais marcadamente linguística. Outras
investigações etimológicas estão disseminadas nos ensaios sobre
literatura (por exemplo, "Mestre Giraldo e os seus tratados de
alveitaria e cetraria", Revista Lusitana, 23 (3-4), 1910; o
volume 2 dos Dispersos publicados pela Revista de
Portugal - série A - Língua Portuguesa colige outros artigos de
âmbito linguístico). No verbete que lhe dedica no Dicionário da
Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Ramón Lorenzo arrola
como obra "linguística" mais conhecida as Lições de Filologia
Portuguesa segundo as Prelecções feitas aos cursos de 1911-12 e de
1912-1913, seguidas das Lições Práticas de Português
Arcaico (edição da Revista de Portugal: 1946 [circula
reimpressão da Dinalivro, sem data]; tenha-se em conta porém que
não é obra que D. Carolina tivesse preparado para publicação e que,
como sebenta que era, deve ser das que mais se ressentem da
passagem de quase um século); lembra também os artigos sobre
infinitivo ("Der portugiesische Infinitiv", Romanische
Forschungen, 7, 1893, pp. 49-122), sobre colocação do adjectivo
("Duas palavras sôbre a collocação do adjectivo em português",
Revista Lusitana, 3, 1895, pp. 84-86), sobre a metafonia, a
história do "l" e do "n", supletivismo no português ("Inéditos de
D. Carolina Michaëlis", Revista Lusitana, 28, 1930, pp.
16-41); juntar-lhe-íamos ainda os artigos sobre a Cartilha
maternal de João de Deus ("A cartilha portugueza e em especial
a do Snr. João de Deus", O Ensino, 1, 1877, pp. 9-15, 17-19,
33-39). Sobre Carolina Michaëlis, além da bibliografia em
periódicos de homenagem (Lusitania, fasc. 10, 1927;
Boletim da Segunda Classe [da Academia das Ciências], Actas e
Pareceres. Estudos, Documentos e Notícias, 5 (1911), Coimbra,
1912) ou em enciclopédias, há opúsculo acessível, O essencial
sobre Carolina Michaëlis de Vasconcelos (por Maria Assunção
Pinto Correia; Lisboa, 1986).
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