As camionetas da Carreira de Ovar – Furadouro nos princípios dos anos 30
TEXTO:Mário Miranda
Se recordar é viver, cá estamos a contar casos passados no princípio dos anos 30. Apesar de mais de 60 anos passados, ainda está na lembrança de muitos como se apresentavam as camionetas da carreira entre OVAR–FURADOURO.
Claro que não vale a pena comparar a viagem que se faz hoje com a daquela época. Para não falar nas estradas que tínhamos, se é que podíamos chamar-lhe estradas… Inicialmente, as camionetas eram totalmente abertas. Nem se falava de autocarros, porque, naquele tempo, esse era ainda um nome desconhecido. (Só muito mais tarde, quando começaram a mostrar algum conforto e maior tamanho é que passaram a denominar-se assim).
Perfilavam-se na Praça da República [na foto], e não havia horários. A primeira partia, com lotação algumas vezes incompleta. A camioneta do HERDEIRO era uma “FORD”, toda pintada de cor verde, semi–aberta, com cortinas para proteger os passageiros das intempéries. O som estridente da sua buzina distinguia-a de todas as outras.
Tivemos ocasião de ver, na recente EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA “MEMÓRIAS DA URBE” no Salão da C.M.O., uma fotografia dos anos 30, onde se vê a camioneta do HERDEIRO estacionada na Praça da República, próximo das bombas de gasolina da VACUM.
O Herdeiro, natural de Guilhovai, tinha chegado há pouco tempo do Brasil, donde já vinha encartado, segundo informação que acolhemos.
A “VAREIRINHA”, do Oliveira, da Arruela, era muito semelhante à do HERDEIRO.
Uma outra, propriedade de Alexandre Seixas, era mais pequena, já fechada, com entrada pela rectaguarda, “de risco ao meio”, como vulgarmente se diz, por ter os bancos dispostos ao comprido, dum e outro lado do corredor. Apesar de pequena, esta camioneta era resistente, e o Seixas um bom profissional de mecânica automóvel. Chegou a ir a Lourdes, com um grupo excursionista, como nos disse um familiar.
Embora andasse pouco tempo em serviço, não esquecemos o camião do Luzio, com rodas de borracha maciça e que pensamos fosse da marca “BERLIET”. Transformado para o transporte de passageiros, possuía bancos de madeira debaixo e por cima do tejadilho.
Escusado será dizer que levava um grande número de pessoas de uma só vez, sobretudo durante as festas do mar. E o mais importante, é que o custo da passagem era metade do que levavam os outros, isto é, apenas cinco tostões. Viajar nela numa estrada cheia de covas e raízes de eucaliptos seculares, a saírem fora do pavimento, tornava-se um verdadeiro tormento… (Existe um registo em azulejo, na estação da CP, com data de 1918, que mostra a referida estrada, com os tais eucaliptos).
Mais tarde aparece uma camioneta da marca Panhard, que oferecia algum conforto, de Amadeu da “Varina” e de outro sócio. Ao que julgamos, venderam-na, depois, ao António Castanheira, passando a ser conhecida pela camioneta do “ António da Veloz”, por o condutor andar sempre com velocidade moderada. Dizia-se mesmo que tinha um calço debaixo do acelerador para não atingir grandes velocidades… A cobrança dos bilhetes era feita pela esposa.
Para além das camionetas, também o “LANDAU” do Constantino da Estação era alugado a grupos que, mesmo pagando mais caro, o preferiam como transporte, por proporcionar uma certa independência e maior gozo na viagem.
Se hoje, no Verão, ao fim-de-semana, o movimento é intenso, já naquela época se viajava muito de camioneta para o Furadouro. Mas muito mais a pé, o que não acontece agora, dados os meios rodoviários ao dispor e ainda porque a maioria das pessoas não está, nestes tempos, disposta a fazer caminhadas, por mais simples que sejam.
Artigo publicado no quinzenário ovarense
|