
Nesta gesta não entram poetas, nem prelados, nem façanhudos militares. É uma aventura de cavadores e guardadores de ovelhas.
Nascemos no Cabeço do Crasto, onde erguemos choça e valado escorraçados por sanguinários vândalos, celtas ou mouros.
Timidamente, fomos descendo à Canadinha e ao Fundão. Não faltavam bolotas de sobreiro e carrasco. Nas embelgas mais frescas semeámos o linho. Montámos oficina de oleiro e instalámos rudimentar tear. Deixámos de ser horda. Largámos lanças, azagaias e fueiros e pegámos no sarrão e no cajado.
Logo descobrimos que a terra era boa e fomos plantando oliveiras nas abrigadas das ribeiras.
Montámos no ribeiro do Fundão um rudimentar engenho para extracção do azeite, e logo lhe chamámos ribeira da Lagariça.
Arroteando leiras, desbravando, arrancando touças de carrascos e estevas conquistámos algumas jeiras de terra para semear centeio e cevada. Primeiro no Zimbro mas logo chegámos à Lameira e Avessadas.
Cada vez mais afoitos, plantámos hortas no Caneiro, no Pereiro, na Faceira e nos Olmos. E, como os tempos iam de calmia, construímos casa de pedra e colmo. Primeiro no Fundão, depois no Solheiro e Fontainha. Abandonámos de vez o Cabeço do Crasto com poucos trastes e algumas cabeçadas de gado.
Sempre ao correr das ribeiras, enterrando estacas, enxertando zambulhos que cresciam a ermo, e plantando aqui e ali uma latada de parreiras, chegámos ao rio.
Já não havia terra junto às ribeiras e começámos a surribar as encostas. A roubar terra às fragas, a arrancar touças, a construir safardas e a abrir carreirões. Sacralizámos a ladeira.
Sem grandes conflitos assentámos as extremas dos nossos baldios com Remondes e Paradela.
Do lado nascente havia bons pastos. Arrancámos carvalheiras e freixos e semeámos trigo. Chegámos a Milhares e à Azenia e aí enterrámos marcos e marras.
Tomámo-nos do sentir pátrio e combatemos e morremos nas guerras.
Com impostos, fintas, jugadas e congruas contribuímos para o fausto da Corte e para a sustentação do clero.
Encomendámo-nos a S. Lourenço e dedicámos-lhe a igreja. Erigimos Irmandades e Confrarias e levantámos capelas a Santa Bárbara e à Senhora das Dores.
Amerceou-se da nossa ignorância o poder e dotou-nos de posto escolar em 1873. Direito a fontanário e a estrada só há bem pouco tempo nos foi reconhecido.
Aqui apenas foi gerada gente humilde, que lavrou a terra, ordenhou ovelhas, teceu o linho, limpou oliveiras e ensinou os filhos a rezar. Mas, foi também com gente que aqui nasceu, que foram construídas auto estradas e arranha céus em França e Espanha, que foi extraído minério nas Astúrias, que foi desbravada floresta nas Áfricas e se comerciou no Brasil.
E é gente aqui nascida que moureja ainda hoje por esse Portugal todo, roída de vontade de regressar de vez.
Honra às gentes de Brunhoso.
Texto de Francisco Ribeiro
