Relembram alguns que, em tempos já esquecidos, no ponto mais alto da Serra da Arrábida, existia uma torre que servia de local de oração a uma, já extinta, ordem religiosa exclusivamente masculina. Junto a essa torre, terá surgido uma pequena aldeia de gentes boas e devotas. Sendo aquele local tão calmo e rico em belezas e recursos naturais, durante várias décadas, proporcionou prosperidade e riqueza à povoação que acabou por se tornar uma aldeia perfeita para que os amantes de Deus aí se estabelecessem e constituíssem família. Cedo esta aldeia ficou conhecida por dar origem às mais virtuosas e belas moças casadoiras, por serem geradas sob a gratidão do Espírito Santo, pela fé e devoção demonstrada por todos quantos habitavam aquele lugarejo. Porém, nenhuma alma está livre de ser corrompida por pensamentos profanos…
Certo dia, chegou à aldeia um jovem frade que deveria juntar-se à ordem que por aí orava. Era um jovem muito belo de tez dourada e olhos verdes luminosos, de seu nome Simão. Não houve moça na aldeia que não desse pela sua chegada e de o acharem tão formoso e tão bondoso, as raparigas, apelidaram-no de Formosinho.
O frade era muito jovem e facilmente se deixou embevecer pelos encantos de Madalena, a mais bela e bondosa jovem da aldeia, que visitava com alguma regularidade e de livre vontade a torre de oração para levar água e mantimentos aos frades aí recolhidos. Rapidamente o encantamento de Simão se transformou em amor correspondido, pois Madalena também não ficou indiferente aos encantos do jovem frade. Durante largos meses, os enamorados trocaram olhares e bilhetes de amor, em que prometiam fugir juntos da aldeia para onde não os reconhecessem e lhes permitissem casar. Mas, antes que tal oportunidade surgisse, a paixão dos dois jovens foi descoberta e Madalena foi acusada de descrença em Deus e tentativa de corrupção da fé do jovem frade, sendo condenada à expulsão da aldeia.
Antes que Madalena fosse forçada a partir, Simão conseguiu esconder-lhe um bilhete no alforge, onde lhe pedia que assim que se acomodasse lhe desse provas da sua boa saúde e prometendo-lhe que no final do ano, pela altura das celebrações do nascimento de Cristo, aproveitaria o reboliço e a confusão das festas para fugir ao seu encontro e resgatá-la do seu destino.
Madalena foi exilada e presa em casa de uma velha tia que, por renunciar a Deus, fora, também, anos antes expulsa da aldeia. A velha senhora havia-se estabelecido numa outra serra ali perto, de onde podia observar e amaldiçoar a aldeia e aqueles que a excomungaram. Madalena tomou esta localização em seu favor e, todas as noites, quando a tia já dormia, com a ajuda de uma candeia e um espelho fazia dois sinais luminosos a Simão, mostrando-lhe que continuava de saúde e à sua espera. Do alto da torre de oração, quando todos também já dormiam, Simão recebia os sinais de Madalena e retribuía-lhos em dobro.
Invejando a beleza e o ar esperançoso de Madalena, a velha tia escravizava-a, forçando-a a trabalhar de sol a sol, quase sem comer, para que o cansaço e a fome a envelhecessem e lhe roubassem a esperança. Com o passar dos meses a saúde de Madalena foi ficando frágil e com a chegada dos primeiros frios do Inverno a bela moça adoeceu. O seu desespero era enorme, pois aproximava-se a data prometida por Simão, para a sua fuga, e temia não se ter de pé para o poder acompanhar. Assim, chegou uma noite em que as forças de Madalena pareciam estar a desaparecer irremediavelmente e esta resolveu fazê-lo saber a Simão. Quando a hora
chegou, de enviar os sinais, no lugar de dois, Madalena fez só um. O jovem compreendeu que havia algum problema com a sua amada e resolveu partir ao seu encontro imediatamente. Com a noite tão escura e as agruras do inverno, Simão demorou muito tempo a percorrer o enorme vale que separava as duas serras e quando alcançou Madalena esta já tinha sido levada pela doença. O desgosto do jovem frade foi tal que regressou à aldeia levando consigo o corpo de Madalena, para que os aldeões se apercebessem e se arrependessem do fado que haviam imposto a tão bela e bondosa criatura.
Sem Madalena, a quem entregar o seu coração, Simão entregou-se a Deus e à sua fé vivendo o resto dos seus dias encarcerado no topo da torre de oração, sempre, secretamente, esperançoso de ver brilhar ao longe os sinais apaixonados da sua perdida Madalena.
Durante vários anos esta história enegreceu os corações dos que viviam na pequena aldeia e que aos pouco foram partindo para fugir a tais recordações. A aldeia acabou por ficar deserta, mas os últimos a partir apelidaram de Alto do Formosinho e Alto da Madalena os dois pontos onde os jovens enamorados se dispunham para trocar sinais de amor, como forma de garantir que a tragédia que separou os dois jovens nunca fosse esquecida.
|