Toponímia:
"Rabissaca. Rechaldeira. Lapaduços. Almónia. Mossorovia. Espiçandeira. Macalhona. E por aí adiante, numa única tarde. É só uma amostra do que passei numa tarde; uma amostra dos sítios por onde passei numa tarde. Tudo no Oeste. Pois parecia que estava noutro país. Parecia que tinha entrado num episódio da “missão impossível” dos anos sessenta. Mossorovia? Almónia? Lapaduços? Donde vêm estes nomes? Existirá vida inteligente nestas terras? Bem sei que sim, mas como pode uma pessoa decente sobreviver a estes nomes? Como pode uma pessoa dizer impunemente que vive na “Espiçandeira”? Que construiu lá uma casa? Ou que tem uma empresa que fabrica chips electrónicos na Macalhona? É impossível. Quantos contratos já não se desfizeram, quantas falências não se declararam já, só porque alguém disse que tinha uma loja aberta ao público na Rechaldeira? Sempre agradeci aos deuses ter nascido numa terra com um nome minimamente respeitável. “Viseu” é assim um nome aceitável. É como “Caldas da Rainha”. Toda a gente percebe por que razão se dá a uma terra o nome de “Caldas da Rainha”. Por causa das Caldas e da Rainha, está visto. Agora “Lapaduços”? Como é que se diz a alguém, sem ruborizar, que fixámos residência nos Lapaduços? Lapaduços parece uma coisa inventada pelo Jonathan Swift, para designar os habitantes de um subúrbio de Liliput.
Sempre tive uma genuína compaixão pelas pessoas que vivem em terras com nomes que não lembram ao menino Jesus. São nomes que parecem ter sido dados por conquistadores cristãos entediados com os almorávidas que nunca mais chegam e a gente aqui à espera. Deram estes nomes às terras e galoparam-se embora, a rir, a rir. É que isto de dar nomes às coisas tem mesmo que se lhe diga. Na maioria dos casos é para durar muito tempo, senão para sempre. É muita responsabilidade. E depois, como é que se chama o habitante da Rabissaca? Que nome tem o seu clube desportivo? O rabissaquense? O rabissacense? Como pode um jogador ter sucesso no desporto se treinou nas camadas jovens do mossorovianense futebol clube? É impossível. Não há talento que resista. Almónia parece o nome de uma substância química tóxica. “Esta maionnaise está carregadinha de almónias, pá.” Olá, o meu nome é Rui e sou almoniacense. Deve ser assim que começam as reuniões dos almoniacenses anónimos. Quando alguém diz “Vivo na Rabissaca”, parece que bebe demais todos os dias. Pessoal que anda há anos a querer libertar-se do vício, e não consegue. E que não se riam os mossorovianenses, porque Mossorovia parece o nome de um principado romeno dominado por um ditador corrupto que conseguiu o poder após a célebre batalha contra os lapaduços. Bem dizia o Miguel Esteves Cardoso aqui há uns dias que o português tem solução para tudo. Ou tem a mania que tem. Os gregos, quando emigravam, edificavam cidades inteiras à imagem da sua cidade natal e chamavam-lhe Nova Atenas, ou Nova Esparta. Os colonos ingleses fizeram o mesmo com New York, New Hampshire, New Haven. Nós não. Nós desatámos a inventar coisas novas. Somos um povo de poetas ou de inventores, que é mais ou menos a mesma coisa: Rabissaca. Rechaldeira. Lapaduços. Almónia. Mossorovia. Espiçandeira. Macalhona. Inventou-se. Está inventado. Acabou-se. E é para sempre. Mal ou bem, a história explica estas coisas todas, claro está. Mas como diz a minha colega, ninguém liga nenhuma à história. Querem lá saber da história. Aliás, falar de história ainda torna as coisas piores para o habitante da Espiçandeira: “Ah, sabe? “espiçandeira” era o nome dado pelos cultivadores… - Olha lá, ó espiçandeiro, se não te calas, ainda levas uma lapaduça”." (SIC)
Mossorovia:
“ José Leite de Vasconcelos, na sua Etnografia Portuguesa, tratando de focos de moçarabismo no território que veio a ser de Portugal, aponta a existência de dois lugares cujo topónimo, na origem, significava a moçarábica ou dos moçarábes: Monçarvia ou Moncervia, na freguesia de São João das Lampas, concelho de Sintra, e Monceravia ou Monçaravia, na freguesia de Aldeia Gavinha, concelho de Alenquer.
Segundo João Pedro Ferro, em Alenquer Medieval, após a conquista de Alenquer por D. Afonso Henriques, é possível que a localidade tivesse sido abandonada e os seus habitantes transferidos para a vila de onde teriam sido expulsos os muçulmanos. E conclui o mesmo autor: “A deserção do local pressupõe-se pelo facto de não ser mencionado uma única vez na documentação medieval que compulsámos.
Em 1911 contava apenas 6 fogos, onde residiam 27 indivíduos.”