Gastão de Freitas Ferraz
Alguns dos factos relatados são verídicos.
1942
6 de Agosto, Estoril.
No chalet Bem-me-quer, ali na Rua da Inglaterra e com alguma ironia, o relógio de cuco na parede da sala tinha acabado de soar as duas da manhã. Era o sinal para Helmut Hope se apressar a ligar os aparelhos necessários à escuta. Como não queria dar explicações aos seus parceiros de jogo por abandonar um jogo a meio esteve até ao fim sem, no entanto, ter a sorte dos vencedores. A sorte abandonou-me hoje, disse para dentro como quem fala consigo mesmo. Ainda ficou um pouco à conversa com Juan Pujol Garcia, Dusko Popov e Johann Jebsen numa quente noite de Verão ali nas coordenadas N 38° 42.294 W 009° 23.831 e quase que se distraía com a animada conversa. Foi só quando olhou para o seu relógio, com o mostrador escuro e ponteiros luminosos característicos da marinha alemã, que reparou que estava quase na hora. Tinha que se despedir arranjando uma qualquer desculpa envolvendo saias. Não queria nem levantar suspeitas nem apresentar-se esbaforido por andar a correr a quem quer que o visse.
Chegou à porta da casa sem ser visto e entrou pela porta principal decidido. Sentou-se no seu posto e enquanto colocava abria o livrinho com as configurações do dia, ouviu a ave a assinalar a hora certa. Ah, que saudades da terra natal. O relógio tinha sido uma prenda de um familiar para lhe recordar a Floresta Negra onde eram fabricados. Mas ainda faltava muito para voltar à sua querida Baviera. Deixou os seus pensamentos e dedicou-se às suas tarefas acabando por estar a postos para a transmissão das 2:15. Gustav, como fazia desde há uns meses para trás, iria relatar a posição dos comboios de navios aliados no Atlântico Norte. Assim que começou a ouvir a cadência característica do Ti-TiTu-TuTi-TuTi-Ti-TiTiTi entrou em modo alerta. Tinha chegado a hora e registava com nervoso miudinho o que ouvia no seu caderninho. Quando acabasse a transmissão deixava o rádio e mudava de aparelho. Isto descansado e sem suspeitar nem ter conhecimento que em pelo menos mais três locais alguém ouvia, atento, a mesma mensagem.
6 de Agosto, Bletchley.
Passavam precisamente quinze minutos da hora quando as primeiras notas da impressora se começavam a ouvir na casa número 8 ali perto das coordenadas N 51° 59.834 W 000° 44.363. Já há um tempo que por causa do escuro total, decretado para que não houvesse qualquer sinal para os bombardeiros inimigos, que as transmissões dos sinais recebidos pelas antenas, devidamente afastadas para não levantarem suspeitas, chegavam via cabo em vez dos habituais estafetas de motocicleta. Também aqui a actividade era frenética pois como alguns dos livros de código foram capturados no ano anterior por William Stewart Pollock num dos submarinos provenientes de Lorient, num local que se mantinha secreto, já era possível a descodificação de algumas mensagens. Faziam parte desse lote, as enviadas desde Julho e provenientes de zonas pesqueiras. As de Gustav, particularmente começavam a despertar desconfiança e não se tinha a certeza o quanto ele sabia da Operação Torch.
5 de Agosto, Brentwood Bay.
Algures na costa Oeste, longe da Terra Nova portanto, alguém por acaso ouvia uma sinfonia conhecida. Era em morse a mensagem, mas o miúdo que a escutou, ali ao lado das coordenadas N 48° 33.100 W 123° 28.400, conseguiu decifrar o que ouviu mas tendo a noção que não tinha conseguido terminar ficando a meio. Paciência iria tentar saber mais tarde algo sobre o assunto e perceber o que significava aquele conjunto de letras ordenado.
6 de Agosto, Braga.
Hans Hahn que estava numa semana longe do seu posto habitual, as minas de volfrâmio, mas em trabalho, ouviu com redobrada atenção a mensagem das 2:15. Interessava-lhe sobremaneira pois assim conseguia saber quando chegaria o barco a Leixões com novas dos espiões infiltrados no outro lado do Atlântico. A chegada estava prevista para 10 de Novembro. Tinha que organizar tudo para conseguir estar presente.
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Obrigado pela visita, relatem a vossa descoberta de uma maneira apropriada à história, divirtam-se, e por favor não revelem as coordenadas para que todos retirem o máximo desta vivência. E para os mais curiosos: a leitura.
“Those who can imagine anything, can create the impossible.”
Alan Turing
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