A matança era uma das mais significativas festas de família, o que se compreende na medida em que a carne de porco e a batata eram a base essencial da alimentação e a auto-suficiência permitia viver sem excessivo recurso ao exterior.
Matava-se tantos mais porcos quanto o estatuto social e a condição financeira o permitiam: a riqueza avaliava-se pelo número de porcos que se matava.
A carne era racionada de modo a durar todo o ano, até á próxima matança, os untos e pingos, constituem uma preciosa reserva que substituiu o azeite.
Os porcos eram criados e alimentados com refeições à base de batata, milho, legumes e o farelo, e viviam nas cortes, nos baixios da casa de moradia da família.
A matança tinha lugar no Inverno, altura em que as actividades agrícolas estão reduzidas ao mínimo e a temperatura fria permitia a sua conservação.
O dia da matança, para além dum específico cerimonial, era um autêntico dia de festa, para alguns mais um pretexto de comezaina, num ambiente de folia e de aproximação ritual da família e da comunidade.
A matança resulta, assim, da conjugação de muitos e distintos factores, e desempenha uma função social relevante nas comunidades rurais, fortemente estruturada e rica de tradições. Estão presentes para além do agregado familiar e da equipa de trabalho, os convidados da esfera aldeã, amigos, parentes, formando grupos elevados, que determinam o número de comensais.
As facas, alguidares, a meda de palha, o banco são preparativos essenciais para a operação, para além das pessoas.
Tudo começa com o ritual de «matar o bicho»com aguardente, vinho do porto, boroa, figos, chouriço e vinho tinto. Na cozinha afadigam-se com os potes e panelas ao lume, com o descascar das batatas.
O matador, um perito de reconhecida fama, conduz o bicho para cima dum banco, e com um golpe profundo por baixo do pescoço consuma a morte e o sangramento, que é amparado nos alguidares.
De seguida é chamuscado, segue-se a lavagem para o que se usa instrumentos de raspagem, água e por vezes sabão.
Concluída esta, começa a abertura, para se tirar o courato, o subventre, o unto, o fígado, os rins, o coração, a buchada, as tripas assim como a desmancha da carcaça, as carnes depois eram colocadas em cima de ramos de loureiro e cobertas com um pano para arrefecerem .
A tradição impunha uma refeição de trabalho festiva no dia da matança de proporções mais amplas e intenso significado, constituída pelos produtos perecíveis, como o sangue, fígado, pulmões, e carne salgada de porco velho.
As relações sociais quotidianas impunham a redistribuição pelas casas dos amigos e vizinhos que não foram convidados ou mais carenciados, ou a casas que anteriormente tiveram a mesma amabilidade, onde se dá bocados crus de carne, pedaços de fígado, o chamado presente, uma prática de levar um prato de carne de porco nova, sempre coberto de um pano, tarefas de que eram encarregues os mais novos.
As carnes partidas, repartidas e salgadas, Fazem-se os chouriços e demais fumeiros, aproveitando as tripas previamente bem lavadas aqui neste regueiro e cortadas segundos tamanhos convencionais.
As chouriças são postas por cima da lareira em paus delgados, ao fumo e são curados durante 3 ou 4 semanas, com uma cura condigna com a qualidade desejada.
Nos dias seguintes pela aldeia, outras matanças se fazem, e como os convites são retribuídos, ninguém falta, a festa ritualizada e simbólica contínua. Hoje menos, é verdade, fruto das contingências da vida moderna, tendem a submergir e a desagregar a acção identitária comunitária. Ainda resistimos, sabe-se lá por quanto tempo. E a matança do porco como espaço social faz parte da nossa riqueza patrimonial.
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