Aos mais aventureiros, propomos a subida até à chamada Fonte da Pedra, em direcção à cumeada da Alvoaça. Aconselha-se encontrar um guia em Alvoco, nós tivemos o prazer da companhia do Sr. Zé do Café – a quem muito agradecemos –, que nos foi contando as histórias e tradições de Alvoco. É impressionante a forma física deste simpático serrano. Até cerca de 1500 metros de altitude, são muitos os quadros que Serra nos proporciona assim como as curiosas formas das penedias, todas elas com nome. Finalmente, chegados fonte que emana da pedra, pudemos beber daquela água cristalina com certas propriedades terapêuticas, curando, por exemplo, as verrugas das mãos (cravos). Segundo a tradição local, essas propriedades adquirem especial ênfase no dia de S. Pedro. Canta o alvocense João Belarmino:
E assim a Fonte da Pedra É uma fonte sem igual, E a sua água é tão boa Que até é medicinal.
É uma água excelente Que não tem nenhum senão Deite sempre a mesma água Tanto de Inverno ou de Verão.
Já foi a laboratórios Análises foram feitas Ninguém lhe tira virtude Pois até cura maleitas.
Infecções em qualquer lado Tanto na pele ou no interior, Esta água é um achado Tu verás quando lá fores!
Mais a cima, na cumeada, os mais corajosos podem desfrutar de horizontes quase infinitos. Foi até esse esplêndido lugar que o Padre Mendes Aparício organizou uma caminhada, passando pela Fonte da Pedra e celebrando uma memorável Eucaristia na montanha. Acudiram a esta iniciativa cerca de 80 alvocenses, no ano de 1992. Neste lugar, como em muitos outros da Serra, a beleza e os prodígios da natureza estão de mãos dadas com a vivência do sagrado. A sacralidade da natureza manifesta-se em todo o seu esplendor, sendo que na vida psicológica dos alvocenses está perfeitamente entranhada a curiosa lenda da Fonte da Pedra. No mito da fuga para o Egipto (dizemos mito porque sabe-se hoje que não há nenhum registo histórico da matança de Herodes), por causa da perseguição de Herodes, que decide mandar matar todas as crianças com menos de dois anos para que Jesus não sobrevivesse, Maria, José e o Menino seguem por uma multitude de caminhos, a fim de ficarem a salvo das buscas dos soldados do rei judeu. Caminharam pelos lugares mais ínvios até que chegaram à Serra da Estrela. Em Unhais, na encosta do Covão de Ferro, a Sagrada Família encontrou uns homens a semear centeio e José pergunta-lhes que semeavam. «Semeamos pedras», respondeu o chefe com cara de poucas simpatias, «muito bem, então amanhã colherás pedras», contestou o Pai de Jesus. E assim foi, no dia seguinte, os serranos encontraram um incrível amontoado de penedos, hoje conhecido como a Pedriça de Unhais. Já no vale do ribeiro do Alvoco, José indaga bondosamente do mesmo modo, «que semeais?», «semeamos pão [centeio]», «então amanhã já podereis colher o vosso pão». No dia seguinte, miraculosamente, já os alvocenses recolhiam o seu divino centeio. Aparecem os soldados de Herodes, que perguntam, «vistes passar um casal com um menino e um burro?», «sim, passaram por aqui quando semeávamos este centeio», desalentados, pensaram, «já passaram meses, estarão muito longe.» A Sagrada Família continuou caminhando até que chegou, lá no alto da montanha, junto a um enorme monólito de granito, onde se encostaram a descansar. O cansaço e a sede extenuavam o seu corpo. Era necessária água, sobretudo para dessedentar o Menino. José invoca o céu com o olhar e ordena que o burro dê um coice na pedra, assim o fez três vezes até que a bendita água jorrasse. Passaram muitos séculos e, ainda hoje, seja Inverno ou seja Verão, esse miraculoso fio de água emana magicamente da pedra. Onde Maria estendeu uma toalha para a refeição jamais voltou a crescer musgo na pedra, ficando esse lugar chamado a «Mesa da Fonte da Pedra». A saírem, o manto de N.ª Senhora fica preso no mato, ao que a mãe de Jesus reage, «estás excomungado, não mais voltarás a crescer neste local», e assim o mato do barrigão da Fonte da Pedra nunca mais cresceu. Peregrinar, alegremente, até à Fonte da Pedra era costume cíclico dos alvocenses. Paravam a meio para dançarem e se divertirem e, lá no cimo, entregavam-se à força da Mãe Natureza e enchiam os seus recipientes daquela água cristalina. Aí mesmo, onde por muito perto se encontra a cache.
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