Em Portugal, há uma história que os pescadores contam, passada de geração em geração, sobre os caranguejos e um balde destapado. Diz-se que, ao contrário de outros mariscos que fogem mal têm chance, os caranguejos portugueses não precisam de tampa no balde onde são guardados. Porquê? Porque, sempre que um tenta escalar as paredes e alcançar a liberdade, os outros, em vez de o seguirem, puxam-no para baixo com as pinças. Assim, nenhum escapa, e o pescador sorri, sabendo que a natureza — ou a inveja — faz o trabalho por ele.
Esta história, mais parábola que registo histórico, tem raízes incertas, mas ressoa na cultura portuguesa como um espelho da sociedade. Não se sabe ao certo quando surgiu — talvez entre os pescadores da Nazaré ou do Algarve, onde o mar sempre foi sustento e mestre. O caranguejo, aqui, é o Carcinus maenas, comum nas costas rochosas, mas o foco não está na espécie, e sim no simbolismo. A imagem do balde destapado tornou-se uma metáfora para a tendência, atribuída ao povo português, de dificultar o sucesso alheio em vez de o apoiar.
A narrativa ganhou força no século XX, usada por escritores, políticos e até humoristas para criticar o que chamam de "mentalidade de caranguejo". Salazar, no Estado Novo, talvez a conhecesse, mas foi depois da revolução de 1974 que ela se popularizou, reflectindo debates sobre progresso e solidariedade numa nação em mudança. "Em Portugal, ninguém sobe, porque todos puxam para baixo", dizem alguns, com um misto de ironia e resignação.
Psicólogos e sociólogos veem nesta história um traço cultural de autocrítica, talvez exagerado, mas enraizado. Não há provas de que os caranguejos portugueses sejam mais "invejosos" que outros — é apenas um comportamento natural de competição por espaço. Ainda assim, a metáfora persiste, usada em escolas, discursos e conversas de café para questionar por que, em vez de subir juntos, há quem prefira segurar os outros no fundo.
Hoje, a história do pescador e do balde destapado é um convite à reflexão. Será sina portuguesa ou apenas um conto que nos alerta para mudar? O caranguejo, esse, continua no mar, alheio à lição que lhe impuseram.