O Lugar e a Lenda
A chamada Batalha de Ourique, pelo significado que encerra e pelas características simbólicas a que está associada, é a principal lenda épica da história portuguesa: a gesta de D. Afonso Henriques que, sob a proteção divina, dá corpo ao ato heróico e audaz de pelejar e derrotar o inimigo mourisco, lançado os alicerces que sustentam a identidade nacional.
Diz a lenda e quer a tradição, resumidamente, que no dia 25 de julho de 1139, D. Afonso Henriques, guiado por um mediador divino, o ermitão Leovigildo Pires de Almeida, que lhe anunciara, na véspera, a aparição de Cristo na Cruz no local da batalha e a vitória sobre o infiel, derrotou os exércitos de cinco poderosos reis mouros.
Pela importância simbólica que esta lenda adquiriu e a frágil sustentação histórica dos relatos que a reportam a partir do século XIV, não admira que tenham surgido, ao longo do tempo, diversas interpretações e localizações para o chão sagrado da batalha: a vila alentejana de Ourique; S. Pedro das Cabeças, em Castro Verde, Ourique de Cartaxo, de Leiria, de Penela, etc.
Embora as fontes históricas não certifiquem a existência, na época, de uma grande batalha e seja mítica a sua narrativa, a visão dos cronistas medievais (provavelmente inspirada por canções de gesta difundidas por jograis) é clara num ponto: foi em S. Pedro das Cabeças que D. Afonso Henriques desafiou e pelejou os cinco reis mouros. É o peso desta tradição e a importância que o lugar já adquirira no imaginário português que transparecem na visita que D. Sebastião fez a este lugar, no dia 7 de janeiro de 1573. Em sinal de homenagem, como refere um documento coevo, o monarca desceu do seu cavalo, «disse algumas palavras muito bem ditas», percorreu a pé «os Cabeços aonde El-Rei Dom Afonso Henriques houve uma grande vitória contra os Mouros» e ordenou que, em sua memória, se erguesse um «mui sumptuoso edifício».
A topografia e as caraterísticas do local (o conjunto de cerros que animam a campina e a existência, nestes, de restos de antigas fortificações) favoreciam a imaginação com que alguns escritores descreveriam e interpretariam a Batalha de Ourique, de Fr. Agostinho de Santa Maria a Fr. Manuel do Cenáculo. (…)
in «Castro Verde: História e Histórias», de Joaquim Boiça e Rui Mateus