A
Cache
Sendo está a
minha primeira cache decidi que devia esmerar-me nela
, para obterem as coordenadas finais,
devem torcer os olhos e descodificar as imagens anteriores, sendo
que a primeira corresponde aos 3 ultimos digitos das coordenadas N
e a segunda os 3 ultimos da coordenada W.
Vila Romana
da Fórnea
Embora estes
não constituam os vestígios mais antigos da presença humana no
território de Belmonte, uma vez que, se recuarmos aos tempos do
Neolítico Final, com a presença aqui confirmada de sepulturas
megalíticas – dólmenes, as ruínas romanas da Quinta da Fórnea,
construídas somente 4.000 anos depois, vieram enriquecer, mais
ainda, a História deste nobre concelho da Beira Interior. A
importância desta estação arqueológica, posta em evidência através
da sua escavação praticamente integral, é de tal ordem que, ao
rescrever-se a História de Portugal, seria certamente uma falha
gravíssima não se aludir, no capítulo do domínio romano, a este
sítio.
.
Embora ténues, constituídos essencialmente por cerâmicas de
construção, foram suficientes para que logo se promovesse, através
do então Instituto de Estradas de Portugal, um plano de trabalhos
arqueológicos. Este plano contemplava a escavação arqueológica de
uma boa parcela de terreno onde os vestígios à superfície eram mais
abundantes, bem como o despiste de outros locais através da
abertura de valas de sondagem ao longo do traçado projectado da
via. No decurso da abertura de uma destas sondagens, a sudoeste do
sítio em questão, e a escassas dezenas de metros, haveria ainda de
ser identificada parte de uma necrópole do mesmo período.
.
Procurava-se averiguar a natureza destes vestígios, bem como
avaliar a real importância patrimonial e científica do arqueosítio
em causa. Sabia-se, ainda assim, que sobre este sítio, no topo da
serra da Boa Esperança, se encontravam as ruínas de um povoado
amuralhado proto-histórico, há muito referido nas fontes históricas
locais, e conhecido por Castro da Chandeirinha.
É dado o nome de Quinta da Fórnea a uma vasta porção de terreno,
com aproveitamento agrícola, sobranceira à parte oriental da serra
da Boa Esperança. O seu desenvolvimento ocorre sobretudo, ainda que
em parte por terras de encosta, dentro já da zona de vale, a sul
daquele maciço granítico. Embora administrativamente faça parte da
freguesia de Belmonte, encontra-se nos limites desta com outra
povoação importante deste concelho, Caria. Estas terras,
pertencentes a ilustre família Cabral, em plena Beira Baixa,
incluem-se ainda no conjunto de concelhos abrangidos pelo distrito
de Castelo Branco.
A Quinta da Fórnea reparte-se hoje por diversas propriedades,
aglutinadas nessa designação comum. Apesar de ladearem hoje uma
estrada secundária – E.N.345 –, rodovia ainda importante a nível
regional, usufruíram no passado da passagem de um troço de Via
Imperial que, ligava, pelo interior, duas das capitais provinciais
mais importantes do ocidente - Mérida e Bracara Augusta. Talvez o
peso da interioridade destas terras fosse, ao tempo dos Césares,
menor.
A construção dessa estrada antiga terá dado lugar, obviamente
aliada a outros factores importantes, como a própria riqueza do
subsolo, a uma crescente fixação humana no período romano desta
parte do nosso território. As acessibilidades sempre foram, desde a
antiguidade, embora alturas houve em que esta ideia tenha sido
posta de parte, um factor importante de desenvolvimento. Todas as
estradas, inevitavelmente, e dada a complexa rede rodoviária criada
pelo império romano, iam, como se sabe, dar a Roma.
Totalmente desconhecidas até 1997, ano inicial dos primeiros
trabalhos de escavação arqueológica neste local, que como já
dissemos foram desenvolvidos no âmbito da construção um grande
projecto rodoviário - A23 -, as ruínas postas a descoberto na
altura demonstraram de imediato a importância deste sítio.
Compreendiam, pelo que hoje sabemos, apenas parte de todo o
conjunto hoje conhecido da área edificada de uma “Villa” romana.
Deste complexo agrícola foram então postas a descoberto,
essencialmente, as partes relativas à sua Parte urbana e Parte
rústica, escavadas então quase na totalidade. A importância dos
achados levou na altura a uma alteração significativa do projecto,
tendo sido possível, pelo desvio do traçado, a preservação integral
da estação arqueológica.
Mais recentemente, e após a doação dos terrenos da Quinta da Fórnea
à autarquia de Belmonte, pelo Senhor Engenheiro António Rebelo de
Andarde, o proprietário da Quinta da Chandeirinha, pôde ser
desenvolvida um programa de trabalhos, com execução integral da
empresa “Arqueohoje”, em parceria com a edilidade local, que visava
a escavação integral do sítio e o restauro das estruturas postas a
descoberto em 1997. O património, desta perspectiva, foi encarado,
sem pudor, como um factor inequívoco de desenvolvimento, dentro das
potencialidades únicas locais.
A importância científica e pedagógica deste sítio arqueológico
advém do simples facto de existirem poucas “Villas” no nosso país
totalmente escavadas. A par da Fórnea, e com significativas
diferenças ao nível dos modelos arquitectónicos destes
estabelecimentos agrícolas rurais, apenas se poderão referir os
casos da Villa de S.Cucufate (Vidigueira, Beja) e Torre de Palma
(Monforte), ambas no sul do país.
A “Villa”, como aqui se entende e pretende transmitir, é um
elemento fundamental da paisagem rural romana. Dela fazem parte uma
Pars urbana (alojamentos do proprietário ou Villicus responsável
pela exploração, uma Pars rustica, onde se localizam os alojamentos
dos trabalhadores e uma Pars fructuaria, constituindo-se esta
última pelo conjunto de edifícios de cariz agrícola, como celeiros,
lagar, adega…etc.
.
Embora no
nosso território o modelo de Villae de peristilo esteja amplamente
documentado, essencialmente nas regiões centro e sul do país,
pensamos que a Quinta da Fórnea possa enquadrar-se mais naquilo a
que os investigadores britânicos designam por winged corridor
villa, sem peristilo e com acessos a diferentes espaços, nalgumas
partes do mesmo conjunto, por intermédio de alas cobertas –
corredores. A Villa romana tradicional, e não será despropositada
esta imagem, poderá comparar-se a uma grande quinta agrícola
actual. A ordenação territorial e a gestão política destes
territórios rurais provinciais eram feitas por intermédio de
pequenos núcleos urbanos que, munidos do direito, das estruturas e
instituições próprias administravam, segundo os desígnios do poder
central e por interposição da respectiva capital provincial, todo
esta parte do interior norte da Lusitânia. A organização do espaço
edificado da Villa encontra raízes na arquitectura mediterrânea. A
construção sucessiva, e facilitada, através de grandes blocos
rectangulares dispostos perpendicularmente entre si dá origem ao
desenvolvimento, propositado, de grandes áreas a céu aberto –
pátios. Também na Quinta da Fórnea assistimos à construção regular,
dentro do denominado pequeno aparelho, de diversos módulos. De
configuração rectangular, embora de dimensões diversas, que se
dispõem-se perpendicularmente entre si. Não há, nesta arquitectura,
muitas aberturas ao exterior, fazendo-se o acesso ao coração da
Villa apenas por uma única grande entrada lajeada. Não sendo comum
a comunicação interna entre compartimentos, é pelos espaços
internos da Villa a céu aberto que se faz a circulação entre
compartimentos.
Nos edifícios
da Quinta da Fórnea (I) assistimos à utilização pontual de
elementos arquitectónicos reaproveitados de construções romanas,
monumentais, mais antigas. Refira-se, por exemplo, os silhares
almofadados, utilizados em cunhais de edifícios possantes do
complexo, os fustes de coluna e alguns fragmentos de cornijas,
todos em granito local. A sua construção, pelos elementos datáveis
disponíveis terá ocorrido, atendendo também à própria reutilização
dos elementos referidos, já no século II d.C.. Apenas os aposentos
da Pars urbana são servidos por um corredor, voltado ao pátio
central da Villa e de onde se acederia a grande parte dos
compartimentos ali localizados. A Pars urbana da Villa, considerada
aqui como o espaço onde o proprietário ou responsável pela herdade
agrícola habitava, encontra-se a sul, abrindo-se também aqui a
entrada principal e única do complexo. A Pars rustica desenvolve-se
sobre o lado oeste e sudoeste da área edificada. Aqui, para além
dos alojamentos dos trabalhadores da Villa, em pequenos cubicula,
encontram-se presentes todas as outras áreas funcionais desta
pequena comunidade. O compartimento onde facilmente se identifica
uma grande lareira, terá servido, nesta parte, como local de
refeição e encontro da comunidade servil da quinta. O módulo este,
imediatamente sobre o lado direito da entrada, corresponde
essencialmente a um conjunto de pequenos compartimentos, que à
semelhança daqueles do lado imediatamente oposto, se dispõem de
forma paralela, com poucas passagens internas entre eles e com
entradas voltadas ao pátio. Estes compartimentos, num edifício de
piso térreo apenas, poderão estar relacionados com zonas de arrumos
e/ou armazenagem de produtos e alfaias agrícolas, já dentro do que
poderá ser considerada parte da Pars fructuaria da Villa. Não será
de descurar a utilização de alguns destes compartimentos,
eventualmente, como pequenas áreas habitacionais. Esta hipótese é
reforçada pela identificação, no interior de um deles, de uma
lareira. Sobre o lado direito da entrada encontramos dois
compartimentos, um dos quais apresentava, na altura que foi
escavado, um tanque servido por uma conduta, esta ainda hoje
visível. O tanque, dentro das acções de restauro levadas a cabo, e
por imperativos de conservação, foi completamente obliterado.
Podemos localizar aqui, dadas as evidências arqueológicas, uma
pequena área industrial. O achado de um número significativo de
pesos de tear em cerâmica, aliados á existência das
infra-estruturas referidas levam-nos a equacionar a hipótese de
aqui terem funcionado pequenas oficinas de confecção e tingimento
de tecidos. Este trabalho, numa herdade que se queria praticamente
auto-suficiente, era destinado à mão de obra feminina da Villa.
Embora não se trate de uma Villa opulenta, sem grandes reflexos de
um modus vivendi urbano em contexto rural, como outras existentes
no nosso território, com a total ausência de mosaicos ou colunas de
mármore, por exemplo, manteve-se até ao século IV da nossa era,
data provável para o seu abandono, como um exemplo de uma
arquitectura civil extremamente funcional, sobressaindo também aqui
todo o engenho romano. A Villa da Fórnea não é, de todo, um ponto
isolado no contexto da ocupação romana da Beira interior. Trata-se
sim de mais um elemento, importante sem dúvida, de uma miríade que
muito ainda terá para revelar. O estudo e os avanços do
conhecimento sobre o período romano passarão, inevitavelmente, por
aqui.