Pousada dos Rebanhos
Cortelhos
Há já muitos anos que perderam a sua função original. Persistem no
entanto, majestosos e enigmáticos. Erigidos há séculos, por mãos
calejadas e sábias, o aparecimento e longa sobrevivência destes
velhos abrigos, construídos com grandes pedras, deve-se às
estratégias de povoamento desenvolvidas pelas comunidades humanas
que aqui habitam e se relacionam de forma harmónica com a serra,
desde há milhares de anos. Dessa relação resultou um complexo
ecossistema que se materializou, entre outros, no aparecimento de
um característico povoamento sazonal, deslocando-se as populações
ao longo do ano entre as “brandas” e as
“inverneiras”. Testemunhos privilegiados dessas antigas
brandas pastoris e da tenacidade e capacidade humana de adaptação,
estes velhos abrigos de pastores são hoje, também, monumentos ao
modo de vida e à transumância que até há não muitos anos se
praticava nas altas montanhas do Minho.
Estamos no início de Maio. As lavouras estão a terminar e o gado
deixa de ser necessário no auxílio ao trabalho agrícola. De resto,
não há já pastagens suficientes junto às aldeias. Eis, pois,
chegado o momento de partir com os bovinos, em busca dos
indispensáveis fenos, para mais altas paragens, geralmente acima
dos 600 metros de altitude.
No último domingo de Abril já dois homens escolhidos pela população
haviam realizado a “roda de serviço”, percorrendo a
serra para averiguarem do estado dos caminhos e dos abrigos (os
“fornos” ou “cortelhos”) localizados nas
“brandas” - pequenas manchas aplanadas ou de declive
pouco acentuado que, junto a nascentes ou a pequenos cursos de
água, propiciavam as pastagens no alto da serra. Alguns dias
depois, a 3 de Maio, dia Santo, os lavradores e vizinhos reuniam-se
para compor os caminhos e combinar as reparações que eram
necessário realizar. Finalmente, 15 de Maio era o dia escolhido por
grande parte das povoações para pôr as vacas na serra, iniciando um
percurso que, durante cerca de quatro meses, até Setembro, levará o
gado a deambular pelas pastagens nos altos das montanhas. Não é, no
entanto, um percurso aleatório. Ele obedecerá a regras
“costumeiras” muito rigorosas, definindo trajectos,
calendários e periodicidades muito precisas de utilização das
brandas, dando assim origem a uma espécie de transumância dos gados
e dos “brandeiros”, os homens que acompanham os animais
e que com eles permanecerão durante toda a época.
Para refúgio dos “brandeiros” foram construídos,
presumivelmente desde a Idade Média, os “cortelhos”
– construções muito rudes e acanhadas, construídas com o
único material disponível nas imediações das brandas: blocos e
lajes de granito. Para evitar repetidas reparações e permitir uma
longa longevidade a estes abrigos, na sua edificação não é
utilizado nenhum material perecível, como o colmo ou a madeira. E
por isso, até a cobertura é feita em pedra, através do tradicional
sistema da “falsa cúpula”.
Geralmente os guardadores e os rebanhos permaneciam cerca de quatro
dias em cada branda. Pastando livremente durante o dia, à noite o
gado é recolhido junto do abrigo. É no exterior deste que o
“brandeiro” acenderá a fogueira que aquecerá a sua
parca refeição, constituída regra geral por batata cozida, boroa,
caldo cozinhado ou de preferência “caldo de leite”. Se
as condições climatéricas assim o exigirem é possível que o fogo
seja aceso no interior do abrigo, lançando alguma luz sobre o
desconfortante “mobiliário” aí existente: a cama feita
de urze e fetos onde, coberto por uma manta, se deita o pastor, com
a ajuda de um calhau onde pousa a cabeça. Paus cravados entre as
pedras da construção servem de cabides para pendurar alguma (pouca)
roupa, alguns sacos e os utensílios de cozinha (que se limitavam
geralmente a um único pote de ferro).
Durante os cerca de quatro meses que permanecerá na serra,
deambulando de branda para branda, refugiando-se e dormindo nos
respectivos “cortelhos”, o “brandeiro”,
isolado ou na companhia de “brandeiros” de outras
casas, será abastecido de mantimentos por gente da sua casa quando
aí se deslocam em busca de leite, ou, mais esporadicamente, é o
próprio que, em alguns domingos, se abastece na aldeia quando aí
desce para assistir à missa.
Esta deslocação sazonal dos gados para as “brandas” não
é, no entanto, nestas altas montanhas do Minho, um exclusivo do
mundo pastoril. Com efeito, às brandas pastoris somavam-se,
igualmente, as brandas de cultivo ou agrícolas, aproveitando deste
modo as populações os diferentes nichos ecológicos disponibilizados
pela serra ao longo do ano. Obviamente mais estruturadas do ponto
de vista arquitectónico e “urbanístico”, estas brandas
são verdadeiros aldeamentos subsidiários da povoação mãe (a
“inverneira”) para os quais quase toda a população se
muda durante os quentes meses de Verão, e onde é possível, além do
pastoreio, o cultivo de fenos, batata e centeio.
(Joel
Cleto e Suzana Faro – Serra da Peneda. Brandos
abrigos. O Comércio do Porto. Revista Domingo,
Porto, 25 de Fevereiro 2001)
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