Declinava o primeiro quartel do século XVIII, quando em Braga se estabeleceram duas piedosas mulheres, calçadas de tamancas.
Oriundas de Taboaças, Vieira do Minho, trouxe-as, ao que parece, o desejo de bem-fazer. Águeda e Maria de Jesus - eram irmãs - pretendiam fundar um recolhimento feminino.
Autorizadas pelo Arcebispo Moura Teles em 1724, lançaram as bases do instituto na Cangosta da Palha, junto dos Congregados; em breve, porém, tiveram de escolher outro sítio, por desinteligências com os Padres do Oratório.
Em 1727 ausentaram-se para a antiga Rua do Assento da freguesia de S. Vitor extramuros desta Cidade. Aí, diz Senas Freitas, "compraram um campo; e em menos de seis mezes fizeram uma casa para recolhimento, com cellas, portaria, e o mais necessário".
Estava, assim, fundado o Recolhimento que velhos manuscritos intitulam de Nossa Senhora do Rosário, mais vulgarmente designado de S. Domingos da Tamanca.
Em fins de Dezembro do ano seguinte alcançaram do Cabido, Sede vacante, licença para a construção de capela própria.
Não se fez esperar a edificação do templo "em que, narra o mesmo Autor, pozeram as armas de S. Domingos, intitulando-se Dominicas. Depois de concluída a nova egreja, pediram licença ao Cabido para a benção; e indo dois cónegos, e vendo as armas, as mandaram tirar; e as recolhidas fizeram termo de sujeição".
Em 1 de Outubro de 1729 foram aprovadas as constituições do Recolhimento que teve como primeira regente ou directora Águeda de Jesus; as recolhidas vestiam hábito de terceiras dominicanas, devendo observar a respectiva regra.
Entretanto, ainda na vacância da Sé por morte de D. Rodrigo de Moura Teles, foi o edifício ampliado à custa das rendas da Mitra.
Refere o cronista citado que, «no anno de 1755, se fez de novo o mirante das recolhidas de S. Domingos». Terá sofrido com o célebre terramoto do 1 de Novembro?
Benfeitor insigne do Recolhimento, não obstante a minguada simpatia que logrou nesta cidade, foi o dominicano D. Aleixo de Miranda Henriques, no tempo em que governou a Diocese como vigário capitular (1756-1758).
Mandou fazer uma nova capela com porta para a rua, e para lá fez conduzir processionalmente uma imagem de Nossa Senhora da Lapa.
Também D. Gaspar de Bragança deixou o nome vinculado ao Recolhimento: deu-lhe novas constituições, que vieram a ser confirmadas por D. João, príncipe regente, em 18 de Abril de 1810.
Cortemos, porém, o fio da história, e transportemo-nos ao romance O Demónio do Ouro, de Camilo Castelo Branco.
A cena referida no capítulo XXXIII do primeiro volume passa-se no tempo do Arcebispo D. Gaspar. E o caso duma rapariga cujo nascimento ignominioso a levara, com sua mãe, para a Tamanca; ali cresceu, pouco resignada em seu infortúnio, até que lhe foi dado sair, aos dezanove anos, daquele pio cárcere.
O entrecho, como se vê, não depõe a favor ou desfavor do Recolhimento. Que culpa tinha este na miséria de quem lhe foi bater à porta, ou no enjoo de quem não estava predestinado para viver à sombra?
Camilo, porém, apresentou um quadro tão sombrio do instituto, que o leitor quase fica duvidando se aquilo era lugar pio ou masmorra apostada em matar corpos e almas.
Descontemos nós o exagero do romance, por isso mesmo que é romance, e também porque a história nos permite formar do Recolhimento conceito mais elevado.
Já em 1730 fora notado o bom procedimento das recolhidas.
E, uma década volvida sobre a ocorrência historiada por Camilo, bem demonstrou o egrégio sucessor de D. Gaspar a confiança que nelas depositava, ao erigir uma nova instituição de caridade.
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