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'Outros Tempos'As Pias...
Para os que ainda recordam com saudade os anos 30 e 40, o chafariz tem história feita de acontecimentos inesquecíveis nas longas esperas da água que corria como os tempos de então, sem pressa e a uma velocidade tão lenta que trazia consigo horas de espera.
Longas eram as filas de potes vazios e pessoas ávidas de novidades trazidas em noticiário mexeriqueiro dos quatro cantos da freguesia. Do Padre ao Regedor, do Presidente da Junta ao coveiro, dos namoros ao casamento, das casadas às grávidas, passando também pelas viúvas e viúvos mais atrevidos, das cartas da América às encomendas.
Toda a vida era contada e recontada na espera do pote que vagarosamente ia enchendo. Faziam-se casamentos, desmanchavam-se namoros, discutiam-se trajes e até se elogiava o último chapéu feito pela tia Valentina, os fatos da Ângela Melo para os homens e os vestidos da tia Idalina para as mulheres.
Às vezes um mexerico mais atrevido dava lugar ao tirar o dito a limpo, que nem sempre acabava de forma mais ordeira, dando azo aos palavrões da época.
Mais demorada do que a espera da água no pote, era a lavagem da roupa nas pias junto ao chafariz. O Raminho tinha três chafarizes com pia ou tanques de lavar: Presa Grande, Pericota e Fontinha.
As lavadeiras, nas pias, cá como lá, eram famosas no já mencionado relato dos mexericos da freguesia, e a vida das pessoas era mais esfregada do que a roupa. Sucediam-se as histórias, sempre novas e sempre diferentes, não havendo lugar a silêncios prolongados, nem a minuto de silêncio por algum falecido, pois nem os funerais escapavam a comentários: «Foi uma vergonha, quase nem choraram pelo pai e o luto foi tão leve que parecia ter morrido um inocente, não fecharam as janelas, os homens já fizeram a barba e nem levaram capote pela cabeça! Ai no que isto se tornou!»
O transporte da água do chafariz para casa era feito em potes de cedro, levados ao quadril pelas mulheres e em muleta, ao ombro, pelos homens. Havia ainda quem tinha um carrinho de dois ou quatro potes. Os cestos com a roupa eram levados ao quadril e quando havia casamento ou coroação do Espírito Santo, iam grupos de raparigas em alegre romaria à Fontinha e ao Pericota, levavam farnel e por lá passavam o dia, lavando e secando a roupa nas paredes e pastagens circundantes. A água era, como é e será sempre, um bem precioso, mas creio que era mais apreciada e sobretudo utilizada com critério por ser pouca e de difícil acesso. Os nossos chafarizes são hoje monumento, felizmente bem conservados pelas autarquias e creio, para quem conheceu a sua história, que são um apelo constante para que se saiba utilizar e poupar o precioso líquido que felizmente corre em abundância nas torneiras das nossas casas.
Carlos Bretão
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