Pedriera do Reguengo
A pedra é um dos elementos que melhor caracteriza esta região, definido a sua morfologia através de formações próprias como as grutas e algares, ou sendo matéria primaquer para as mais rudimentares construções, como muros, abrigos e poços, quer para as mais nobres, como é o caso do Mosteiro da Batalha.
Várias das pedreiras de onde se extraíu a pedra para este monumento situam-se precisamente na freguesia do Reguengo.
Ainda hoje a extração e venda desta pedra é uma das actividades mais fortes da Região.
Deixamos aqui um apontamento histórico sobre as pedreiras que forneceram pedra para o Mosteiro da Batalha, e um outro menos científico mas mais descritivo sobre as pedreiras de freguesia do Reguengo.
“Em relação às pedreiras do restauro, a de Reguengo do Fetal é, sem dúvida, a mais notável, pela sua grandiosidade e pela permanência de alguns vestígios físicos da sua exploração. Com uma frente visível de mais de 50 metros de extensão por cerca de 12 metros de altura na zona mais alta, esta pedreira ostenta ainda algumas marcas de instrumentos tradicionais utilizados na extracção de rocha, nomeadamente a “escacilhadeira”, utilizada na regularização da superfície das frentes de trabalho, o pico, destinado a delimitar os blocos através dum pontilhado, as cunhas, cujos orifícios escavados longitudinalmente são visíveis na face externa da pedreira, e as alavancas. (…)”
Excerto de “O Restauro do Mosteiro da Batalha pedreiras históricas, estaleiro de obras e mestres canteiros” de Moura Soares, Ed. Magno, pag. 140
“As pedreiras abrem por toda a parte as suas bocarras hiantes. Delas, saem calhaus monstruosos que as lâminas das serras e o gume dos cinzéis transformam em ombreiras e em colunas de altares.
(...) A luta com esse elemento de tão profunda influência no progresso das civilizações é perpétua. A pedra multiplica-se como um flagelo, aflorando por toda a parte e exigindo para ceder o lugar ao chão criador tais prodígios de tenacidade, que só podem igualar-se à fúria de semear e de colher, que os inspira. Mas quantas vezes, dessa raiva de dominar a pedra, seja para a esmigalhar, seja a para a afeiçoar, saem maravilhas inesperadas.
(…) Foram lavrados nessa pedra macia, mais fácil de trabalhar que a madeira, os coruchéus, as gárgulas, os claustros, todas as maravilhas góticas da Batalha. Foram burilados nessa polpa tenra as rendas quase aéreas das Capelas Imperfeitas. E é ainda nessa matéria plástica por excelência, que constitui as entranhas das Serras do Reguengo, que canteiros pacientes cortam as cantarias das casas novas e santeiros populares, vindos de geração em geração da profundidade dos tempos, esculpem as virgens mais veneradas daquelas redondezas, sem excluir a que na Fátima ouve ao povo todas as preces e lhe faz todos os milagres.
Não me perguntem como se aproveitara tantas riquezas nem como se utilizam num País como este, que tanto precisa de valorizar tudo o que a natureza prodigamente lhe ofereceu, os tesouros vegetais e minerais da região de que estou tentando traçar o perfil tanto quanto possível exacto. Quase me envergonharia de responder. Salvo explorações rudimentares, jaz tudo no abandono e no esquecimento. E não há nisso nada de extraordinário. Pois não foi a pedra, material nobre entre os mais nobres, expulsa da indústria da construção? O cimento e o ferro – até já se constroem templos de cimento armado! – desbancaram-na. Exporta-se o nosso oiro para se pagar lá fora o ferro que em tão larga proporção entra na construção civil e despreza-se a pedra, fonte de criação artística admirável, pilar da tradição, sustentáculo inabalável das próprias nacionalidades. As famosas cantarias, afeiçoadas ao gosto de todas as épocas, exalando segurança e dando aos lares mais humildes, como aos palácios mais sumptuosos, segurança, formosura e duração; essas cantarias que tanto enriqueciam a velha casa portuguesa, caíram em desuso As janelas de hoje dão-me a impressão de órbitas sem pálpebras. Não se repara que, desterrando a pedra da construção moderna, se condenam à morte umas poucas de artes e de ofícios. Os pedreiros e os canteiros desaparecerão. Será de admirar que, decorridos mais alguns, poucos, lustres, não haja artífice capaz de talhar no lioz ou no granito um laço pendente ou um ebúrneo botão de rosa, idênticos aos que, amarelecidos pelos séculos, ainda hoje ilustram certos gradeamentos de Lisboa?
Excerto da obra "Viagem à Volta da Minha Aldeia", de Adelino Mendes, ed. da Sociedade Nacional de Tipografia, Lisboa, 1940. Adelino Mendes foi escritor, jornalista e conferencista natural do Reguengo do Fetal (1878-1963)