"(…)É então que surgem, depois das longas torturas das fermentações, as raridade que as cepas da Barrosinha e da Moita Longa, da Portela e da Fonte Nova concentraram nos bagos translúcidos dos seus cachos sumarentos. Dir-se-á que todos aqueles néctares em início de revelação têm alma e palpitam duma vida semelhante à da mocidade inocente. Não fosse o vinho das vinhas do meu Reguengo diferente do de todas as outras vinhas Já o dizia o meu inolvidável amigo Augusto Martins, um gigante com alma de artista, que não quis morrer sem vir a Lisboa despedir-se de mim: – o vinho de Reguengo, quando embriaga, faz cantar!
Não amadorra, espevita. Não derruba, empertiga. Não enfurece, acalma. Não perturba o entendimento, aclara-o e alumia-o. Acaricia o paladar como coisa viva, que é. Cai na alma como bênção do Céu. Que sejam louvadas e benditas pela riqueza das suas alquimias, pela raridade do seus perfumes, pela abundância com que retribuem as canseiras de quem as poda, as empa, as cava e as apaparica como se fossem criaturas sensíveis, as vinhas da minha terra! É na sua fecundidade e na prodigalidade com que se desentranham em ambrósias dignas de figurar nos festins dos bons deuses epicuristas, que se baseia a abastança dos meus conterrâneos. Que mais é preciso para as glorificar?"
Excerto da obra "Viagem à Volta da Minha Aldeia" de Adelino Mendes, escritor, jornalista e conferencista natural do Reguengo do Fetal (1878-1963)

Vinho (fotografia de cjusto)