Alguns dos factos relatados são verídicos
Esposende, 1942
Siegfried Gall regressara um mês depois do aparatoso acidente que ficou na sua memória e na memória de todos da zona pelas razões mais diversas. Naquele dia 1 de Maio de 1942 algo aconteceu na parte eletrónica do Condor que pilotava, causando uma turbulência diferente, uma direção descontrolada e posterior aterragem de emergência ali pelos lados da Apúlia entre os moinhos de vento que atualmente não existem. "O Bombardeiro", episódio assim retratado pelos Apulienses, foi lembrado como um dos acontecimentos mais marcantes durante a Segunda Guerra Mundial no norte de Portugal, um país neutro mas certamente voltado para a facção de Hitler.
O FW 200 Condor, também chamado Carrasco do Atlântico pela sua imensidão e poder de ataque, sobrevoava a zona como já era costume e tinha a bordo, além do piloto Gall, mais seis tripulantes. Além de controlar a exploração nas minas de volfrâmio pelo concelho de Barcelos, contactando com Hans Hahn através daquelas batidas rápidas e certeiras características do código morse, inspecionava as entradas e saídas dos Estaleiros Navais de Esposende e mandava, também aplicando os conceitos da radiotelegrafia, indicações aos U-Boots que navegavam naquela zona do oceano.
Hoje, 1 de Junho, Siegfried estava decidido a desvendar o que realmente aconteceu. De certeza que a caixa-negra continha alguma informação preciosa e ainda conseguia lembrar de quase todos os pormenores daquela aterragem e dos momentos que a antecederam:
Palme, @17:25h em N 41 35.397 W 008 42.593 (A)
Ao sobrevoar pela zona, Gall percebeu que se calhar não valia a pena acordar o copiloto e amigo Wilhelm Batz antes das seis da tarde. A viagem decorria sem problemas, o céu estava limpo e ainda possuiam algumas horas de luz natural para disfrutar. Cortesia da Primavera que vinha para ficar e alargava os dias cada vez mais. No entanto o destino era mais a sudoeste e não propriamente o sul do país, e foi com uma curva não muito acentuada que apontou para a direção pretendida. Tinha uma grande responsabilidade nas mãos e nada poderia correr mal.
Curvos, @17:26h em N 41 34.183 W 008 43.169 (B)
Na direção de Curvos, algo fez soar imediatamente o alarme implementado na ponta frontal do avião, acordando de rompante Batz. Por algum motivo um dos aparelhos ADF localizava uma estranha frequência, baixa e não passível de ser descodificada por enquanto, cuja origem permanecia à sua frente e imóvel. Estranho, pois de acordo com o mapa das antenas NDB residente nos arquivos a bordo do Condor, estas emitiam única e exlusivamente código morse e todas da área estavam catalogadas e identificadas. Bastou consultar o segundo dígito de cada uma para perceber do que se tratava: havia uma outra clandestina que não constava nos seus apontamentos, pensou Siegfried.
Conforme a aproximação à fonte, à antena desconhecida portanto, os aparelhos recetores ficaram susceptíveis àquelas frequências. Não foi preciso esperar muito: o avião que era controlado pelas mãos de Gall e pelas cadências sucessivas das antenas que atravessava, passou a ser controlado por uma série de caracteres "H", "I", "S" e "5" sem qualquer ordem lógica. O que parecia mais uma viagem calma tinha acabado de se transformar num problema sério.
Fonte Boa, @17:26h em N 41 30.884 W 008 44.557 (C)
O Condor estava em descontrolo total. O mostrador do primeiro aparelho ADF que captou o sinal tinha bloqueado e assim só sobrava o outro que mantinha a setinha apontada para a origem do estranho sinal. Nada poderia parar aquelas curvas acentuadas pela zona de Palmeira de Faro. Quando sobrevoava o rio Cávado, Gall ainda ponderou fazer a aterragem naquela água não muito transparente. Não, um avião com aquela envergadura certamente não caberia entre as margens do curso de água e acabaria por afetar ainda mais, tanto a densa vegetação quanto a própria estrutura. Só restava o Atlântico, aquele fantástico espelho de água. E com uma curva acentuada, voava na sua direção. Estava a perder altitude e não era boa ideia demorar muito tempo nas manobras.
Barqueiros, @17:27h em N 41 28.781 W 008 43.169 (D)
O mostrador permanecia a indicar, com a seta amarela característica, a posição relativa do principal causador do aparatoso furor. E se os pilotos de serviço não tivessem mantido a calma, por pouca que esta fosse, teria sido bem pior. Agora faltavam apenas segundos para a altitude de voo ficar concordante com o nível médio das águas do mar. A preocupação estava voltada em não embater nas infraestruturas. Salazar não iria gostar de ter alguns dos moinhos de vento do Estado Novo danificados por uma invenção nazi.
Apúlia, @17:27h em N 41 28.685 W 008 46.529 (E)
Talvez pela falta de tempo e a grande velocidade com que este se aproximava do solo, o Condor aterrou um pouco antes das águas do Atlântico, ali numa duna e sem perigo para as estruturas envolventes. Ainda bem que ninguém se feriu, todos os sete estavam sem um único arranhão, mesmo tendo em conta a destruição bem visível da frente do avião. A velocidade com que este caiu ainda foi elevada e devido à inércia algumas peças ainda voaram por mais três dezenas de metros. Houve uma explosão, causada pelo combustível em contacto com alguns fios da bateria da máquina, mas nada além disso. Não havia vegetação na zona e muito menos habitações por perto.
Siegfried Gall não sabia o que pensar, até porque não percebia nada de radiogoniometria. Talvez algum aparelho, algum papel, algum vestígio da tragédia restasse no meio dos destroços. Onde se localizava aquela antena? E o que seriam as letras e números que vagueavam naquele dia pelos ares Esposendenses? Teria de averiguar a situação o mais brevemente possível antes de regressar ao seu posto habitual a comando da Luftwaffe.
"Afinal, a melhor maneira de ajudar é partilhar"
Jaime Borges, o amigo espião
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