Dom Fuas Roupinho viu o diabo no Chiado. Foi paixão à primeira vista. Local: A secção dos tapetes turcos. Ela era uma das filhas de Francisco Grandella, fundador dos grandes armazéns Grandella, a nona maravilha da baixa lisboeta. Sendo alguém bem relacionado nos meandros da sociedade da capital, Fuas conseguiu coagir as pessoas certas ao proporcionarem-lhe uma correcta apresentação.
Existia no entanto um grave problema inicial. Ambos eram casados. Nada que demovesse Dom Fuas. Ele era um lutador nato. Tinha recuperado as finanças da sua nobre família, partindo de uma situação de quase ruína. Quando fixava um objectivo não o largava, como um cão fixado num osso.
Dom Fuas fez uso dos seus olhos castanhos e do seu sorriso irreverente, e após uns meses de cortejo conseguiu roubar-lhe um beijo na secção do pronto-a-vestir, provador número 24. Combinaram através de bilhetinhos um encontro secreto, só os dois, para uma ocasião posterior.
Dom Fuas tinha agora de arranjar o local para o encontro. Mas toda a sua propriedade estava mais que vigiada pela mulher, empregados e filhas. A filha do Grandella não aceitava que fosse numa velha pensão no Rossio ou Benfica com medo de ser reconhecida. Uma casa alugada também estava fora de questão. Dom Fuas era mais avarento que romântico. Mesmo sendo o amor da sua vida não entrava em loucuras.
A solução acabou por chegar enquanto Fuas cavalgava pelos velhos terrenos da família, nos arrabaldes de Santa Iria. Um velho aqueduto, cuja história estava já perdida no tempo, servia agora de muralha para o limite dos seus terrenos. No topo do mesmo situavam-se pequenos cubículos de pedra. Dom Fuas Roupinho mandou recuperar alguns e colocou portas de madeira. Aquele era um sítio ermo, descampado, sem vivalma próxima, com vista para o estuário do tejo. A única companhia seriam os mosquitos destemidos no final da tarde.
A senhora Grandella era amante de longos passeios a cavalo. Normalmente utilizava as quintas dos Olivais Norte. Santa Iria não era assim tão longe. E o casalinho começou a fazer longos passeios juntos, que terminavam invariavelmente no ninho de amor construído por Fuas. As pedras não falavam e o arfar profundo da Grandella não chegava aos ouvidos dos aldeões próximos.
Passaram meses nestes encontros furtivos até que certo dia, uma pancada seca na porta ecoou, assustando o casalinho que se encontrava a meio da sua actividade preferida. Dom Fuas abriu a porta, calças pelo tornozelo e camisa desapertada. Foi alvejado com dois tiros no peito. Ela teve mais azar, um tiro certeiro estourou-lhe a face rosada e suada.
Foram encontrados duas semanas depois. A polícia nunca encontrou o culpado ou culpados. Dom Fuas morreu com a surpresa estampada no rosto. A arma do crime nunca foi encontrada.
