Neste país havia uma cidade.
E nessa cidade havia um parque.
Nesse parque, havia umas estruturas.
E, nessas estruturas, estava uma criança sozinha: O Martins.
Mas tempos houve em que o Martins tinha um grupo… Até era ele o chefe!
Do seu grupo faziam parte a Ana, o Benjamin, a Judite, o Jorge, o Leandro e o Mateus.
Mas agora já nada é assim.
E querem saber porquê?
Certa manhã, chegou ao parque uma nova menina.
Chamava-se Khelifa.
O Leandro logo propôs à Khelifa que fizesse parte do grupo.
Mas o Martins não gostou da ideia.
Leandro – E porque é que não pode ser?
Martins – Porque ela não é francesa.
Leandro (espantado) – E onde é que foste buscar essa ideia?
Martins – És vesgo ou quê? Ela é árabe!
Leandro – E então? Pode ser árabe e ser francesa.
Martins (irritado) – Os árabes não são como nós!
Leandro – Como nós, quem?
Martins (muito irritado) – Não são como tu ou como eu!
Leandro – E então? Nós também não somos parecidos um com o outro.
Martins (mesmo muito irritado) – Tu é que não és parecido com ninguém!
Leandro – Ah, é? Então, adeusinho.
Martins (surpreendido) – Onde vais?
Leandro – Vou ter com aquela que não se parece connosco!
E foi assim que o grupo do Martins ficou com menos um elemento.
A Ana, a Judite, as duas meninas do grupo, aproximaram-se por sua vez do Martins.
Ana (admirada) – Porque disseste ao Leandro que ele não era igual a ti?
Martins (com ar de gozo) – Já ouviste o pai dele? Fala chinês!
Ana (espantada) – E o que é que isso importa?
Martins – Para estar no meu grupo, é preciso que o pai fale francês.
Ana (franzindo o sobrolho) – E os nossos avôs, também têm de falar francês?
Martins – Sim! E a nossa mãe também, e a nossa avó também!
Judite – O que é que estás para aí a dizer? Nós não queremos saber se o avô do Leandro fala francês ou não!
Ana – E se o pai não falar francês, isso também não nos incomoda. E se o Leandro não falasse francês… podíamos ensiná-lo!
Martins (ameaçador) – Calem essas bocas ou dou-vos com um martelo!
Ana (dando meia volta) – Olha, o meu avô só fala português. Por isso, adeusinho.
Martins (importante) – É isso mesmo! Estrangeiros com estrangeiros!
Meninas – Adeus, senhor Manda-Chuva!
Martins (murmurando) – É isso mesmo… boa viagem…
E foi assim que o grupo do Martins ficou com três elementos a menos.
Logo a seguir, o Benjamin passou por ali.
Martins – Ó Bolinha! Vai dizer àqueles palermas que são todos uns idiotas!
Benjamin (gaguejando) – Eu… eu não gosto que me chames Bolinha.
Martins (gozando) – Ai não… Bolinha, tens medo do meu martelo é?
Benjamin (com voz trémula) – Não… e não me chamas mais Bolinha.
Martins (insistindo) – Porquê… Bolinha?
Benjamin (a fugir) – E já não quero que sejas o meu chefe!
Martins – É isso mesmo! O reboludo que fique com as raparigas e com os estrangeiros!
E foi assim que o grupo do Martins ficou com quatro elementos a menos.
Furioso, o Martins pôs-se a chamar o Leandro e o Mateus.
Martins (autoritário) – Quero que vão bater naqueles idiotas!
Leandro – Hum… eu não gosto de lutas!
Mateus – E eu também não!
Martins (a troçar) – Covardes!
Mateus e Leandro (ao mesmo tempo) – Vai lá tu!
Leandro (arrastando Mateus) – Nós preferimos brincar com eles…
Martins – Desengonçados! Meninas!
E foi assim que o grupo do Martins ficou com cinco elementos a menos.
Atrás do Martins, o Jorge assistiu a tudo.
Sempre admirou o Martins por este falar alto e grosso.
Mas, ao mesmo tempo, tem-lhe algum medo.
Principalmente quando ele cerra os punhos e fica com os olhos a lançar faíscas, como neste momento.
Em pezinhos de lã, o Jorge aproveita para se afastar.
Martins (a rugir) – Onde é que vais?
Jorge (gaguejando) – Bom… Já só estamos dois…
Martins – Estás a abandonar-me?
Jorge (a recuar) – Não… mas… eu…
Martins – É isso mesmo, vai-te embora, meu grande traidor!
E foi assim que o grupo do Martins ficou com seis elementos a menos.
Fora de si, o Martins sobe para o ponto mais alto e grita:
– Eu é que sou o chefe! Eu é que sou o chefe!
De seguida, a Khelifa aproxima-se dele e diz:
– Pareces um cão a ladrar cheio de medo… Desce daí e anda brincar connosco.
Martins (a ganir) – Vocês não são como eu!
Khelifa (suspirando) – Como queiras…
E foi assim que, no recreio da escola de uma cidade desse país, o Martins ficou sozinho com o único menino parecido com ele: ele próprio!