Morgadio da Póvoa.
Vicente Afonso Valente, Póvoa, 1336.
Em 1336, Vicente Afonso Valente, cónego da Sé de Lisboa, institui em testamento o
morgadio da Póvoa, nomeando para primeiro administrador o seu irmão, o cavaleiro
Lourenço Afonso Valente. Na ausência do testamento original, temos hoje conhecimento
da instituição deste vínculo por outra via. Em 1348, o prior da Igreja de Santa Maria de
Nogueira, em Coimbra, de seu nome Domingos Martins, apresentou um pedido de escusa
da sua função de testamenteiro de Vicente Afonso Valente, dando origem a uma
“declaração de testamento”, em que foram transcritas os extractos relativos à vinculação,
por D. Vicente Afonso, da “poboa com todos seus derreitos e pertemças”, consignando
que tais propriedades teriam de ser transmitidas pela linhagem do seu irmão. Também o
original desta “declaração” se perdeu, dela restando apenas cópias quinhentistas. Uma
delas é o documento que integra atualmente o espólio documental do Museu Municipal
de Vila Franca de Xira. Resulta do pedido feito ao Juiz do Cível de Lisboa, pelo escrivão dos
resíduos da mesma cidade, a 28 de fevereiro de 1538, para lhe ser passada uma cópia
autenticada, em virtude do mau estado de conservação do original, que exibe. (MUSEU
MUNICIPAL DE VILA FRANCA DE XIRA, Morgado da Póvoa, “Traslado da execução…”).
Com o passar dos séculos, os bens do morgadio foram integrados no património de
diferentes famílias nobres, as quais se foram cruzando por meio de alianças matrimoniais.
Entre estas, podemos identificar os Castelo Branco ou os Lencastre (Casa de Figueiró). Na
sequência do matrimónio entre Gonçalo Vaz de Castelo Branco e Brites Valente, filha do
5º administrador, o morgadio da Póvoa passou a integrar o conjunto de bens dos
sucessores desta linhagem, ao qual se juntou, após a doação feita por D. Afonso V a
D. Gonçalo, em 1476, o senhorio de Vila Nova de Portimão. Em 1514, D. Martinho de
Castelo Branco, filho de D. Gonçalo e de Brites Valente, recebe o título de Conde de Vila
Nova de Portimão. Homem da confiança de D. Manuel, Martinho foi uma figura
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proeminente na conjuntura política da época, desempenhando, como seu pai,
importantes ofícios cortesãos. O humanista italiano Cataldo Parísio Sículo chega a
dedicar-lhe o poema Verus Salomon Martinus (1511), em jeito de elogio biográfico
(RAMALHO, 2004, p. 431). O Conde de Vila Nova colocou-se, em diversos momentos, ao
serviço dos desígnios régios. A título de exemplo, veja-se que liderou a embaixada que
levou a Infanta D. Beatriz a Saboia, por ocasião do seu casamento com o Duque. Em 1518,
integrou a expedição de acolhimento à terceira mulher do rei, D. Leonor de Áustria. Como
relata Damião de Góis, depois de “muito strondo de trombetas”, foi Martinho o primeiro
“a beijar a mão à rainha” (GÓIS, 1909/1911, p. 123). Apesar da importância política de
Martinho, nenhum dos seus filhos herdou o título de conde, por ausência de confirmação
de D. João III, suspeitando-se que tal se deva à animosidade do monarca face à influência
do Conde na decisão de suspender o matrimónio com a princesa que lhe estaria,
inicialmente, reservada (COUTINHO, 2004, p. 233).
No entanto, D. Francisco de Castelo Branco, o novo Senhor de Vila Nova de
Portimão, demonstrou especial zelo com a manutenção dos bens do morgadio da Póvoa.
De facto, foi ele o responsável pela “Reformação da Instituição do Morgado da Póvoa”,
um documento paradigmático, datado de 1531, no qual se compilou um número
considerável de escrituras relativas às obrigações dos administradores do vínculo e se
estabeleceram os limites territoriais das propriedades do morgadio (BNP, Arquivo do
Visconde do Botelho, cx. 9, doc. 17). Para além de assinalar a linhagem dos
administradores, neste documento registaram-se igualmente as ampliações de bens e
propriedades até ali efetuadas, revelando uma vontade de recuperar e preservar a
memória dos antepassados. Nele se estipulava, ainda, que todos os documentos
consultados seriam para “teer, e goardar trinta anos pera sobrevindo algua duvida se tirar
por ellas” (ibidem, fl. 31). Parte também da iniciativa de D. Francisco de Castelo Branco a
construção, na quinta da Póvoa, de uma ermida dedicada a Nossa Senhora da Piedade, e
a reformação do núcleo habitacional – este que estará na génese do edifício setecentista
que é hoje o Palácio da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria.
O morgadio da Póvoa continuou na posse dos Castelo Branco até meados do século
XVII, embora a morte dos dois filhos de Francisco, Martinho e Diogo, em Alcácer-Quibir,
tenha provocado uma súbita interrupção na linhagem familiar. Enquanto que o primeiro
não deixou descendentes, o segundo deixou uma filha, Branca de Vilhena, que contraiu
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matrimónio com D. Manuel de Castelo Branco, seu primo, de modo a recuperar o título e
evitar a dispersão do património devido a querelas familiares. Apesar de ter casado por
três vezes, o filho deste casal, D. Gregório de Castelo Branco, 3.º Conde de Vila Nova de
Portimão, não conseguiu assegurar a sucessão vincular, já que todos os filhos legítimos
morreram em tenra idade (eventualmente devido à estreita consanguinidade dos
sucessivos matrimónios). Com o falecimento de Gregório, o morgadio da Póvoa,
conjuntamente com o senhorio de Vila Nova de Portimão, foi transferido por via da sua
irmã, D. Maria de Vilhena, viúva de D. Luís da Silveira, Conde de Sortelha, para o seu
sobrinho neto, D. José Luís de Lencastre, Conde de Figueiró. Em meados do século XVIII,
todo este património passou a integrar o conjunto de bens detido pelo Marquês de
Abrantes.
Joana Soares, Maria Beatriz Merêncio, Fábio Duarte, Rita Sampaio da Nóvoa.
Em colaboração com
Câmara Municipal de Vila Franca de Xira