No dia seguinte, 7 de dezembro, houve uma paragem de um quarto de hora na estação de Green River. Enquanto alguns viajantes tinham descido da carruagem e passeavam pela plataforma da estação esperando a partida do comboio, Mrs. Aouda reconheceu entre eles o coronel Stamp W. Proctor, o americano que se tinha comportado tão grosseiramente com Phileas Fogg durante o comício de São Francisco.
Evidentemente, era apenas o acaso que tinha trazido a este comboio o coronel Proctor mas, fosse como fosse, ele estava ali e era preciso impedir a todo o custo que Phileas Fogg avistasse o seu adversário.
Mrs. Aouda, quando o comboio se pôs novamente em movimento, aproveitou um momento em que Mr. Fogg dormitava, para colocar Fix e Passepartout a par da situação lembrando que Mr. Fogg não deixará que ninguém se vingue por ele. É homem, como disse, de voltar à América para procurar o seu ofensor. Se portanto, vê o coronel, não vamos poder impedir um duelo, que pode ter deploráveis resultados. É preciso portanto que ele não o veja.
— Tem razão, madame, respondeu Fix, um duelo poderia pôr tudo a perder. Vencedor ou vencido, Mr. Fogg demorar-se-ia, e...
— E, acrescentou Passepartout, isso faria o jogo dos gentlemen do Reform Club. Em quatro dias estaremos em Nova Iorque! Pois bem, se durante quatro dias o meu patrão não sair do seu vagão, podemos esperar que o acaso não o ponha cara a cara com este maldito americano! Ora, saberemos impedir...
A conversa foi suspensa pois Mr. Fogg tinha acordado e contemplava a paisagem pelo vidro raiado de neve.
O agente da polícia julgou ter descoberto esse meio, porque momentos depois dizia a Phileas Fogg:
— São longas e lentas horas, senhor, estas que se passam assim no comboio.
— Com efeito, respondeu o gentleman, mas elas passam.
— Nos paquetes, retomou o inspetor, não tinha o hábito de jogar whist?
— Sim, respondeu Phileas Fogg, mas aqui seria difícil. Não tenho nem cartas nem parceiros.
— Oh! as cartas, podemos comprá-las. Vende-se de tudo nos vagões americanos. Quanto aos parceiros, se por acaso a madame...
— Certamente senhor, respondeu animadamente a jovem, sei jogar whist. Faz parte da educação inglesa .
— E eu, retomou Fix, tenho algumas pretensões de jogar bem esse jogo. Ora, nós três e um morto...
— Como quiser senhor, respondeu Phileas Fogg, encantado em retomar o seu jogo favorito, mesmo num comboio.
Passepartout foi à procura e voltou pouco depois com dois baralhos completos, fichas e um tabuleiro forrado de pano. Não faltava nada e o jogo começou. Sempre era melhor que o Solitaire.
Às onze da manhã, o comboio tinha atingido o ponto onde se dividem as águas dos dois oceanos. Era em Bridger Pass, a uma altura de sete mil quinhentos e oitenta e quatro pés ingleses acima do nível do mar, um dos pontos mais altos do traçado da estrada na sua passagem pelas montanhas Rochosas. Quase duzentas milhas mais adiante, os viajantes achar-se-iam finalmente sobre as extensas pradarias que se estendem até o Atlântico, e que a natureza tornara tão propícias para o estabelecimento de uma via férrea.