O Jardim Secreto de Sacavém: A Descoberta da Casa-Museu José Pedro
A Muralha das Maravilhas: Uma Memória de Infância em Sacavém
Para muitas crianças que cresceram em Sacavém em meados do século XX, o caminho para a escola era uma rotina marcada pelo pulsar de uma cidade industrial. As ruas, como a histórica Rua dos Combatentes da Grande Guerra, ecoavam a herança da omnipresente Fábrica de Loiça de Sacavém, uma instituição que moldou a vida e a identidade da terra. Nesse percurso diário, entre o burburinho dos colegas e o apito distante da fábrica, existia um muro na Travessa dos Combatentes da Grande Guerra que quebrava a monotonia. Para um olhar atento e curioso, esse muro não era um fim, mas uma promessa.
Por cima da alvenaria, espreitavam vislumbres de um mundo improvável: telhados em miniatura, torres delicadas e figuras de cerâmica que pareciam pertencer a um conto de fadas. Eram construções fantásticas que despertavam a imaginação e deixavam uma pergunta no ar: que universo mágico estaria a ser erguido em segredo por detrás daquela barreira? Esta memória de admiração, de passar e espreitar um vislumbre de fantasia, é a chave para desvendar a história da Casa-Museu José Pedro.
Aquela parede física representava mais do que uma simples divisão de propriedade. Era a fronteira simbólica entre dois mundos que coexistiam em Sacavém. De um lado, o espaço público, o quotidiano do trabalho, a realidade pragmática de uma comunidade operária ligada à fábrica. Do outro, o refúgio intensamente privado e o universo criativo de um artista singular. O ato de passar por aquele muro no caminho para a escola era um encontro diário com a linha que separava a vida coletiva da imaginação individual. Hoje, a busca por uma geocache neste local convida cada visitante a cruzar simbolicamente essa fronteira, transformando a admiração distante de uma criança na descoberta íntima de um explorador.
O Homem por Detrás do Muro: José da Silva Pedro, o Sonhador de Sacavém
O criador daquele mundo fantástico era José da Silva Pedro, nascido em Leiria a 7 de fevereiro de 1907. O seu talento manifestou-se cedo, quando, com apenas sete anos, modelou em barro uma réplica da igreja da sua terra, tão grande que permitia a entrada de oito pessoas. Em 1928, mudou-se para Lisboa para cumprir o serviço militar, onde a qualidade dos seus desenhos chamou a atenção, levando-o a frequentar brevemente o Curso de Escultura da Escola de Belas-Artes, que teve de abandonar por motivos de saúde e financeiros.
Em 1934, o seu destino foi selado ao ingressar como 1º modelador na Fábrica de Loiça de Sacavém, um cargo de elevada perícia técnica. Casou em 1935 com Evangelina Martinez e, em 1937, fundou a Schola Cantorum de Cristo Operário, revelando o seu espírito comunitário. A fábrica foi o local onde aperfeiçoou a sua técnica, mas também uma limitação para a sua criatividade mais pessoal, focada em temas religiosos e de fantasia que não se enquadravam na produção industrial. Esta dualidade entre o artesão e o artista visionário levou-o a adquirir, em 1939, o terreno para a sua futura casa, o espaço onde a sua imaginação poderia florescer sem limites.
De Sonho Privado a Tesouro Público: A Génese da Casa-Museu
A história da Casa-Museu é a crónica de um sonho que começou com a compra do terreno em 1939, com a visão de "criar algo aqui um dia mais tarde". Curiosamente, José Pedro projetou a sua residência com base em modelos de casas que via em revistas americanas como "The American Home", revelando um olhar aberto ao mundo. Na década de 1960, o sonho materializou-se com a abertura do "Museu Particular de Arte e Floricultura", um espaço onde a arte e a natureza coexistiam em harmonia.
Após a sua morte em 1981, o seu desejo de que a coleção permanecesse unida foi honrado pela Câmara Municipal de Loures, que adquiriu a propriedade em 2000.6 A Casa-Museu foi inaugurada em julho de 2005, após cinco anos de remodelações. No entanto, para garantir a melhor conservação do espólio, os documentos pessoais, desenhos e moldes foram transferidos para o acervo do Museu de Cerâmica de Sacavém, enquanto o jardim, o coração da sua obra, permaneceu o mais fiel possível ao original.
Um Universo num Jardim: Explorar a Arte e a Imaginação de José Pedro
Entrar na Casa-Museu José Pedro é, acima de tudo, entrar no seu jardim, o coração da sua visão artística, que transporta o visitante para um "País das Maravilhas". É neste espaço de "fantasia e descoberta contínua" que a sua arte se revela. A coleção reflete as suas paixões:
Miniaturas Arquitetónicas: Reproduções de catedrais, igrejas e casas típicas portuguesas.
Figuras Religiosas e Populares: Peças que espelham a sua fé e a sua ligação às tradições de Portugal.
A Harmonia da Natureza: Criações como o "Palácio das Formigas" ou a "Aldeia dos Cogumelos" materializam a sua filosofia de equilíbrio entre o homem, a arte e a natureza.
O jardim é uma paisagem autobiográfica. As cenas rurais evocam a sua infância, as figuras religiosas a sua fé, os modelos arquitetónicos a sua perícia técnica e as criações fantásticas a sua imaginação sem limites. Percorrer este espaço é caminhar pela mente e pelo coração do seu criador.
A Alma de Sacavém: O Mosaico Industrial e Histórico
Para compreender a obra de José Pedro, é essencial conhecer Sacavém, um lugar de história profunda desde os tempos romanos. A sua identidade moderna foi forjada pela industrialização, com a Fábrica de Loiça de Sacavém no seu centro. Em 1930, quase toda a população ativa trabalhava ali, e a qualidade da sua produção deu origem à expressão "Sacavém é outra loiça!". A Casa-Museu José Pedro e o Museu de Cerâmica de Sacavém são duas faces da mesma moeda: um representa a alma artística e pessoal, e o outro, a memória industrial, contando juntos a história completa da cerâmica na cidade.
O Guia do Geocacher para a Descoberta: Curiosidades e Informações Práticas
A aventura do geocaching partilha o espírito de "descoberta contínua" que José Pedro infundiu no seu jardim. Encontrar a cache neste local é o culminar de uma viagem pela história de um artista e o seu sonho.
Sabia que...
O design da casa onde viveu José Pedro foi inspirado em revistas americanas de decoração dos anos 40 e 50?
Em criança, o artista construiu uma igreja de barro tão grande que os seus amigos podiam brincar lá dentro?
Este é um de dois museus em Sacavém dedicados à cerâmica? O outro, o Museu de Cerâmica de Sacavém, guarda os seus documentos de trabalho, desenhos e fotografias.
A família do artista continua a visitar a Casa-Museu ocasionalmente, por vezes doando novas peças e mantendo viva e crescente a sua memória?
O museu promove atividades para crianças, como o "Jardim com histórias", perpetuando o legado de José Pedro de inspirar a imaginação dos mais novos?
A sua missão vai para além de encontrar um contentor. É um convite para abrandar e maravilhar-se com o universo que um homem construiu com barro, persistência e sonhos.
Categoria Informação
Nome Casa-Museu José Pedro
Morada
Rua dos Combatentes da Grande Guerra, nº 8, 2685-042 Sacavém / Travessa dos Combatentes da Grande Guerra, 8, 2685-043 Sacavém 3