O Santuário de Panóias
(monumento durante muitos anos designado por Fragas
de Panóias) foi construído entre os finais do
século II e os inícios do século III d. C.
É constituído por um recinto onde se encontram
três (entre outras) grandes fragas nas quais foram talhadas
várias cavidades, de diversos tamanhos, bem como escadas de
acesso. Numa das rochas foram também gravadas
inscrições. Esta rocha, que denominamos de n.º
1, situada na entrada do recinto, possui as
inscrições conhecidas, e que chegaram até
nós, embora uma delas, ainda conhecida no século
passado, tenha sido entretanto destruída.
Existem três inscrições em latim
e uma em grego, e nelas estão as instruções
dos rituais celebrados em Panóias, a
identificação dos deuses e a do dedicante.
A inscrição desaparecida, também
em latim, reconstituída a partir
de leituras e registos anteriores, pode traduzir-se da seguinte
maneira:
“Aos Deuses e Deusas deste recinto sagrado. As
vítimas sacrificam-se, matam-se neste lugar. As
vísceras queimam-se nas cavidades quadradas em frente. O
sangue verte-se aqui ao lado para as pequenas cavidades.
Estabeleceu Gaius C. Calpurnius Rufinus,
membro da ordem senatorial.”
O senador consagrou o recinto sagrado à
divindade principal dos deuses do Inferno, o Altíssimo
Serápis, incluindo uma
gastra e mistérios. Gastra, uma cavidade redonda, encontra-se
imediatamente atrás da inscrição. A sua
função no ritual seria o de assar a carne da
vítima, que era consumida no local, em frente ao nome da
divindade. A inscrição n.º 5 indica o acto
final:
“Aos deuses, G. C. Calpurnius
Rufinus, claríssimo, com este
(templo) oferece também uma cavidade para se proceder
à mistura.”
Neste local, o iniciado purificava-se do sangue,
gordura e azeite com que se tinha sujado.
Esta interpretação sobre Panóias
é de Geza Alföldy. Com base nos seus estudos, podemos
hoje dizer que tivemos no local um ritual de
iniciação com uma ordem e um itinerário muito
precisos – a matança das vítimas, o
sacrifício do sangue, a incineração das
vítimas, o consumo da carne, a revelação do
nome da autoridade máxima dos infernos, e por fim a
purificação.
Na rocha n.º 2 do recinto a
iniciação repetia-se num grau mais elevado. Na rocha
mais elevada, n.º 3, e onde também haveria um pequeno
templo, teria lugar o acto principal da iniciação
– a morte ritual, o enterro e a
ressurreição.
Hoje em qualquer das três rochas temos
vestígios dos pequenos templos que eram parte integrante do
recinto. Restam também as diferentes cavidades rectangulares
que serviam para queimar as vísceras, uma cavidade redonda
– gastra, para assar a carne, e
ainda uma outra onde se procedia à limpeza do sangue,
gordura e azeite. Outras cavidades estavam relacionadas com os
pequenos templos existentes, e destinar-se-iam a guardar os
instrumentos sagrados usados nos rituais.
Existem portanto em Panóias testemunhos de um
rito de iniciação dos mistérios das divindades
infernais. As prescrições identificam-se como partes
de uma lei sagrada, mas aplicadas a um local concreto e preciso. A
escolha deste local não foi por isso feita ao acaso, mas sim
fruto de critérios específicos e previamente
estabelecidos. A topografia do local desempenhou aqui um importante
papel.
C. G. Calpurnius
Rufinus, senador, que introduziu este
culto em Panóias, onde já haveria um culto
indígena, deve ter sido um alto funcionário do
governo provincial romano. A sua língua original foi o
grego, mas na inscrição o uso da palavra
“mystaria” em vez de
“mysteria” demonstra o uso
de um dialecto dórico ou pseudo-dórico. Os dados sobre a sua origem
permitem supor com grande probabilidade que seja Perge de Panfilia,
cidade de tradição dórica e um dos centros do
culto de Serápis, e situada na
Ásia Menor.
The Sanctuary of Panóias (for many years known as the
Fragas de Panóias or “Panóias Rocks”) was constructed
between the end of the 2nd and the early 3rd century. The sanctuary
is formed by three large rocks (among others) which have had steps
and various sized cavities dug out of them. On one of the rocks,
located near the sanctuary’s entrance, which we shall call n.
º 1, there are inscriptions although one of them, still
legible in the last century, has been destroyed.
There are three inscriptions
in Latin and one in Greek, giving instructions for the rituals
celebrated in Panóias, for the
identification of the Gods and the dedicant.
The destroyed inscription,
also in Latin, has been reconstructed from previous readings and
records, and can be translated as follows:
“To
the Gods and Goddesses of this sanctuary.
The victims to be
sacrificed are to be killed in this place. The entrails are to be
burnt in the square cavities in front. The blood is to be poured
here into the small cavities. In the name of Gaius C. Calpurnius
Rufinus, member of the senatorial
order.”
Inscription n. º 2 is to
be found around 6/7 metres to the east,
to the right of the path where the visitor enters the sacred area.
The text would have faced rock n. º 1. The victims were killed
there, and their blood poured into the small cavities. Their
entrails were then burnt at the front, in other words, in the
square cavities mentioned.
Just before going up the
steps leading to the rock n. º 1 we find, to the left,
inscription n. º 2:
“G. C. Calpurinius Rufinus
consecrated within the temple (the temple intended to be the
sanctuary), an aedes, a sanctuary, dedicated to the Severe
Gods.”
There are still traces of one
of the sanctuary’s small temples which was the setting for the revelation that the gods of
the temple were the Severe Gods. The rock’s surface has a
number of cavities and the instruction given by the first text
(destroyed) mentions these rectangular cavities where the entrails
were burnt. The steps then lead to the other side of the rock,
where we find inscription n. º 3:
“To the Gods and
Goddesses and all the divinities of the Lapitae, Gaius C.
Calpurnius Rufinus, member of the senatorial order,
consecrated forever with this sanctuary a cavity, in which the
victims shall be burnt according to the rite.”
This confirms that the cavity
mentioned in the inscription was previously used for the
incineration of entrails. This inscription adds that the sanctuary
was dedicated not only to the above-mentioned gods but also to the
gods of the Lapitae, in other words, to
the gods of the region’s indigenous community. We now move on
to inscription n.º 4 (in
Greek):
“To Serapis Most High, together with Destiny and the
Mysteries, G. C. Calpurnius
Rufinus, the most
enlightened.”
The senator consecrated the
sanctuary to the main divinity of the gods of the Underworld,
Serapis the Most High, including
gastra and mysteries. Gastra, a round cavity, is immediately behind the
inscription. Its function in the ritual was to cook the
victim’s flesh that would be consumed at the spot, before the
name of the divinity. Inscription n. º 5 indicates the final
act:
“To the gods, G. C.
Calpurnius Rufinus, the most enlightened, with this (temple)
also offers a cavity for carrying out the mixing.”
In this place, the initiated
was cleansed of the blood, fat and olive oil with which he had been
covered.
This is Géza Alföldy’s interpretation of Panóias. Using his work, today we can say
that here we had an initiation ritual with a precise order and
itinerary – the killing of the victims, the blood sacrifice,
the burning of the victims, the consumption of the meat, the
revelation of the name of the maximum authority of the underworld,
and finally the purification.
In rock n.º 2, the initiation was repeated on a higher
step. In the highest rock, n. º 3, and where there was a small
temple, the main part of the initiation would take place –
the death ritual, the burial and the resurrection.
Today, in all three rocks, we
can find traces of the small temples that were an integral part of
the sanctuary. There are also different rectangular cavities that
were used to burn the entrails, a round-gastra cavity, to cook the meat and another for
washing away the blood, fat and olive oil. Other cavities were
linked to the small temples, and used to store the sacred
instruments used in the rituals.
This is evidence that
Panóias had an initiation ritual
into the mysteries of the infernal divinities. The prescriptions
are identified as parts of a sacred law, but applied to a concrete
and precise place. The choise of this
location was not by chance but as a result of specific and
previously established criteria. The topography of the place had an
important role to play.
C. G. Calpurnius Rufinus, the
senator who introduced this cult in Panóias, where there was already an
indigenous one, must have been a highly placed official in the
provincial Roman government. His native language was Greek, but the
use of “mystaria” instead
of “”mysteria” in the
inscription is evidence of a Doric or pseudo-Doric dialect. As far
as we know, he was from Perge of
Pamphylia, a town in Asia Minor, with a
Doric tradition and a center of the cult of Serapis.