
Moinhos de água:
"Os moinhos não são apenas um dos mais pitorescos adornos da
paisagem. Eles representam também, com a sua engrenagem de moenda
ao mesmo tempo muito singela e muito elaborada, a forma mais
evoluída de um sistema primitivo de trituração dos grãos de cereal
entre duas pedras (...) ao qual se adaptou mais tarde um engenho
motor, que substituiu a força do braço pela acção das correntes de
água ou do vento"
Os moinhos de água foram introduzidos no actual território
português pelos romanos como provam os vestígios materiais
encontrados. Difundiram-se em larga escala, nos séculos seguintes,
por influência dos «senhores» quer laicos quer religiosos. Este
investimento senhorial em moinhos hidráulicos está associado por um
lado à emancipação e êxodo dos camponeses e por outro ao movimento
das arroteias, ou seja à expansão das áreas agrícolas. Em Portugal
encontram-se dois tipos de moinhos de água, os de roda horizontal
ou rodízio, denominados de azenhas do árabe acenia. De roda
horizontal são também os moinhos de maré, menos frequentes no
espaço português.
Memória descritiva do moinho das travessas (situa-se na
margem esquerda do troço inferior do ribeiro da
Granja):
1. Recolha de água:
"O princípio fundamental dos moinhos de água
repousa no declive da água que os acciona", ou seja, torna-se
necessário criar um desnível que permita à força da água accionar o
moinho. Neste caso a água é recolhida no ribeiro, através de um
açude tosco e oblíquo, e conduzida através de uma levada, talhada
na margem esquerda do ribeiro, de 29 metros até ao talho que dá
para o aqueduto do moinho; em alguns troços assenta sobre
socalcos.
2. O Cubo
O cubo é constituído por 10 anéis de pedra
(cubos), incluindo a seteira, de dimensões irregulares,
argamassados por cimento e saibro. Escavados por dentro formam um
cilindro de 30 cm de diâmetro. O cubo ou cale tem um comprimento de
cerca de 4 metros e uma inclinação de 66%. O último anel ou cubo de
pedra é a seteira e situa-se já no interior do inferno. A saída da
água (o esguicho) faz-se pela seteira (corte vertical na base do
último anel) e é regulável por meio de uma cunha de madeira. A água
é pressionada pelo declive e altura do cubo bate nas pernas do
rodízio, fazendo-o girar.
3. Instalação do moinho
O moinho é uma instalação de dois pisos que
acompanha o declive do terreno, paralelo ao ribeiro segundo a
direcção norte/sul. O beirado da fachada poente fica quase ao nível
da encosta. As paredes são rudimentares de pedra tal como as
primitivas construções dos séculos XVII e XVIII, o telhado é de
duas águas, originariamente coberto de colmo, mas de telha a partir
das obras de meados do séc.XX. Tem duas aberturas: uma minúscula
janela, na fachada nascente e a porta de madeira na fachada norte.
Do lado esquerdo da porta há o poiso dos sacos, coberto pelo
prolongamento da armação. O acesso antigo ao moinho é, na parte
final, um carreiro declivoso por propriedades particulares,
terminando num conjunto de degraus talhados irregularmente no solo,
que dão acesso à porta do moinho.
4. O piso inferior, o cabouco ou o
inferno
O acesso ao piso inferior faz-se pela frente do
moinho, fachada norte. Contém:
- o Urreiro - também conhecido como arrieiro, é
uma travessa de madeira, assente numa das extremidades e presa e
suspensa pela agulha na outra extremidade, sensivelmente a meio
está embutida a rela;
- a Rela - é uma pedra côncava onde assenta e
roda o aguilhão;
- o Aguilhão - é um seixo inserido no ponto de
encaixe do rodízio com a pela e que rodopia na rela;
- o Rodízio - é uma espécie de roda fixa na
pela, horizontal ao solo, com cerca de 1,2 m de diâmetro,
constituída por 26 penas encaixadas radialmente nas margaridas
(orifícios feitos na pela);
- a Pela - também conhecida como pelão, é um
toro de madeira vertical ao rodízio, 1,15 m de altura, na
extremidade superior encaixa o lobete;
- o Lobete - é uma peça em forma de cone, que
prolonga a pela e á regulável através de duas cunhas de madeira, na
sua extremidade superior encaixa o veio;
- o Veio - é uma peça de metal que faz a ligação
entre o lobete e a segurelha;
- a Segurelha - encaixa na base da mó de cima ou
andadeira;
- a Agulha - peça ou tábua presa numa das
extremidades ao urreiro e com a outra extremidade regulável no piso
superior, permitindo, assim, descer ou subir o moinho, ou seja a mó
de cima ou andadeira, conforme se deseja o cereal mais ou menos
moído. Assim através da segurelha o veio transmite à andadeira ou
mó de cima o movimento rotativo do rodízio, provocado pela pressão
da água que sai da seteira - o esguicho.
5. O piso superior do moinho
O piso superior é constituído por:
- Tremonhado - espaço onde cai a farinha;
- Mós - a superior é a mó de cima, a inferior é
a mó de baixo ou a dormente; a distância entre elas, ou seja, a
qualidade da moagem é regulada pela agulha que através do urreiro,
da pela, lobete, veio e segurelha aproxima ou afasta as duas
mós;
- Cambais - estrutura de madeira e/ou pedra de
protecção das mós e do tremonhado;
- Dorneia - também designada de moega, espécie
de pirâmide invertida de madeira, suspensa sobre as mós, onde se
deposita o cereal que se deseja moer, este desliza do vértice da
dorneira para a quelha e da
quelha
para o olho da mó andadeira ao ritmo regular do chamadoiro;
- Quelha - peça que recebe o cereal da dorneira
e o faz deslizar de forma regular em direcção ao olho da mó de cima
devido a uma ligeira inclinação e ao ritmo do chamadoiro;
- Chamadoiro - peça em forma de cruz egípcia,
com as extremidades dos braços horizontais apoiados nos cambais e
na quelha e a extremidade inferior do braço vertical apoiado na mó
de cima, o movimento deste transmite-se através do chamadoiro à
quelha e impulsiona o cereal a um ritmo regular em direcção ao olho
ou orifício da mó de cima, sendo depois triturado ou moído pelo
atrito gerado entre as duas mós;
-Telhedoiro - dispositivo manual de paragem do
moinho, accionado a partir da parte superior do moinho; consta de
um arame, ligado à extremidade de uma tábua, que quando se solta, a
tábua baixa e desvia a água do rodízio, interrompendo o movimento
rotativo da mó de cima;
- Engenho - dispositivo automático de paragem do
moinho, consta de uma pequena peça piramidal ligada por um cordel
ao arame do Telhedoiro, que se coloca no fundo da dorneira antes de
despejar lá dentro o cereal, quando o cereal está todo (quase todo)
moído a peça liberta-se e a tábua reguladora da água desce e o
moinho pára.
- Regulador/Tabelador - dispositivo que regula
ou tabela a inclinação da quelha e a quantidade de cereal por
unidade de tempo que cai para ser moído.
- Zorra e Rolo - peças de apoio à descida da mó
superior quando era necessário picá-las.