A
igreja românica de Fiães tem sido uma das mais debatidas, na questão da organização espacial e estrutural entre cluniacenses e cistercienses. A maioria dos autores tem considerado o templo como uma obra unicamente cisterciense, mas indícios há que apontam para que, pelo menos, parte do monumento que chegou até nós seja anterior, da época em que o cenóbio era regido por monges beneditinos.
Sabemos que estes detinham a propriedade nos meados do século XII, altura em que D. Afonso Henriques coutou o mosteiro (ALVES, 1982, p.112). Na segunda metade da centúria, passou para a posse da Ordem de Cister, em data ainda desconhecida, mas que se deverá situar entre 1173 e 1194, filiando-se, então, em São João de Tarouca (PINTO, 1997, p.10). Esta radical mudança - que implica assinaláveis diferenças ao nível dos modelos arquitectónicos e artísticos empregues pelas duas Ordens -, não encontra testemunhos inequívocos na igreja, debatendo-se, ainda, o que corresponderá a cada momento.
O plano do corpo, organizado em três naves de quatro tramos, separadas por arcarias longitudinais de arcos de volta perfeita, denuncia um modelo planimétrico estritamente beneditino e aplicado ao longo de todo o século XII nos maiores mosteiros da Ordem de Cluny em Portugal (REAL, 1982, p.120). Posteriormente a esta referência, Luís de Magalhães Pinto tentou alargar as evidências beneditinas a outras partes da igreja, como à cabeceira e ao arco triunfal (PINTO, 1997, pp.12-13 e 19-22), sugestão amplamente discutível e baseada em argumentos que não se podem equiparar aos invocados para o corpo do templo.
Mais pacíficas parecem ser as obras patrocinadas pelos cistercienses, a partir do 3º quartel do século XII. A cabeceira tripartida e escalonada, com planta quadrangular, é um dos aspectos mais característicos desta renovação, por oposição à preferência beneditina por modelos de capela-mor e absidíolos de planta circular. A ábside, de dois tramos e abóbada de berço quebrado, é iluminada por duas frestas, e toda esta parte tem vindo a ser considerada como "uma realização programada segundo o melhor espírito cisterciense" (ALMEIDA, 2001, pp.136-137).
A semelhante conclusão chegamos ao analisar outras partes do conjunto. Uma delas é a sua decoração, caracterizada por uma quase total ausência de motivos ornamentais, opção que se adapta, na perfeição, aos principais valores da Ordem: "simplicidade, austeridade e pragmatismo" (ROSAS, 1987, vol.1, p.69). Se, menos de meio século antes, a exuberância decorativa de influência galega havia invadido as igrejas do Alto Minho, criando o mais densamente decorado foco de templos românicos portugueses, o projecto cisterciense de Fiães inaugurava um novo caminho, depurado e sóbrio, que teve eco regional na arquitectura do século XIII.
O portal principal, entre dois contrafortes poderosos e limitado, superiormente, por uma cornija, segue a mesma tendência anti-decorativista. De perfil apontado e com quatro arquivoltas, não possui capitéis ou bases, sendo apenas interrompido horizontalmente por uma imposta contínua.
Nos séculos seguintes, o Mosteiro foi alvo de grandes modificações. As partes altas da fachada principal foram refeitas no século XVII, reforma de que datam os janelões e os nichos com as imagens de Nossa Senhora, São Bento e São Bernardo. As dependências conventuais foram também bastante adulteradas e grande parte delas não chegou, sequer, aos nossos dias. Do claustro, promovido pelos cistercienses no século XIII, e que já se achava em ruínas em 1533, apenas subsiste um fragmento de capitel duplo, de decoração vegetalista com crochet (PINTO, 1997, p.24).
Extinto em 1834, o mosteiro passou para a posse de privados pouco depois, procedendo-se, a partir de então, à destruição das alas monacais. As campanhas de restauro, efectuadas nas décadas de 50 e de 60 do século XX, por seu turno, não alteraram significativamente a estrutura, que manteve, à vista, a maioria dos seus elementos medievais.
Fonte: IPPAR.pt