O diabo da ponte do Alfusqueiro
Em tempos que já lá vão, por aqui viveu um homem muito rico e que
tinha terras em ambas as margens do rio Alfusqueiro junto ao
Caramulo.
Sendo, também, muito sovina, nunca se tinha dado ao trabalho de
mandar construir uma ponte.
E, assim, sempre que queria ir a até às suas propriedades do outro
lado do rio, via-se obrigado a procurar um vau.
Numa certa noite de violenta borrasca bateu-lhe à porta um
visitante negro vestido, pedindo-lhe guarida. O rico senhor
deixou-o entrar, ofereceu-lhe jantar e cama como o visitante
acedesse, conversaram em quanto comiam. Até que o nosso homem
resolveu contar o seu problema àquele desconhecido. Este logo se
prontificou a resolver a situação: mandaria chamar as suas legiões
de empregados, e em pouco tempo, até a noite de Natal, a ponte
estaria terminada. A obra não custaria um tostão ao seu hospedeiro,
mas em troca este teria de assinar um contrato com sangue da sua
veia do coração, no qual se comprometia, quando morre-se, a deixar
a sua alma ao visitante.
E claro que o homem logo compreendeu que o visitante de
negro,outra
não era senão o diabo.
No entanto, e por ser
muito
avarento, achou melhor manter o
trato. Assim, a ponte foi ficando cada dia mais
completa. Mas o homem em vez de ficar contente, cada
vez se sentia mais angustiado. Quando os lacaios
do
diabo acabassem a malfadada construção estaria irremediavelmente
perdido!
Um dia, caminhado ao longo do rio Alfusqueiro embrenhado em
terríveis pensamentos apareceu-lhe uma velha que ele não conhecia
dali. Acabou por lhe contar o motivo das suas preocupações e a
velha lembrou-lhe que deveria cumprir a sua palavra, uma vez que o
diabo não tinha falhado.
Como o homem fica-se ainda mais aflito acrescentou, então, que lhe
parecia não ser forçoso que o diabo conseguisse terminar a sua
obra. E, segredou-lhe um estratagema ao ouvido.
Na noite combinada, Noite de Natal, um pouco antes da meia-noite,
dirigiu-se o homem à capoeira: e a pé ante pé, silenciosamente,
evitando provocar qualquer ruído. Retirou um ovo e foi até à beira
do rio,
ao sítio onde estava
a ponte.
Pegou nele e arremessou-o de tal modo que ele caiu
antes do diabo ter colocado a pedra de
fecho. De dentro do ovo saiu um belo galo que
logo ficou a cantar.
O diabo,
pensando não ter terminado a obra aprazadamente, fugiu e
nunca mais foi visto por aquelas
bandas.
E, foi
assim, graças àquela velha, que o rico senhor percebeu que,
por ser avarento, por pouco tinha vendido a
alma ao diabo.