“As gravuras não sabem nadar”
Atenção às crianças - risco de queda.
Tudo começou em 1949, quando a Hidroeléctrica do Côa apresenta um resumo do plano geral previsto para o aproveitamento hidroeléctrico da bacia do Rio Côa.
Em 1959, esta empresa transfere para a hidroeléctrica do Douro os direitos e obrigações relativos à concessão que possuía em relação ao aproveitamento da energia das águas do Rio Côa. No mesmo ano, apresenta o Plano Geral do Rio Côa. Esse plano só foi pontualmente alterado em 1977, 1986 e 1988. O projecto base de aproveitamento hidroeléctrico de Foz Côa, realizado pela EDP-Porto em 1991, não difere muito do plano de 1959.
Em 1989, na sequência do estudo de impacte ambiental realizado pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, que refere: a albufeira "vai submergir todo um universo de estruturas e vestígios que documentam sucessivas etapas de povoamento da região". Também é de notar: "Recomendamos que se realizem prospecções apuradas" na área, incluindo um "exame minucioso do troço entre o local da construção da barragem e a Quinta de Santa Maria (Ervamoira), pois consideramos como altamente provável que existam muitas outras superfícies gravadas, neste momento cobertas por água" da barragem do Pocinho, construída em 1982 uns kilómetros a jusante do local. Esse estudo permitiu a identificação de seis sítios com arte rupestre pré-histórica, dos quais quatro apresentavam pinturas e dois apresentavam gravuras da Pré-história recente e Proto-história.
Em Outubro de 1994 iniciam-se as obras da barragem de Foz-Côa, com o estudo IPPAR ainda em curso. Em Novembro, descobrem-se novas gravuras paleolíticas em Vale de Videiro, Vale de Figeiro e Ribeiro dos Piscos.
Como nunca tinha acontecido em Portugal, multiplicam-se acções cívicas para salvar as gravuras da submersão, que leva um jornalista a falar de gravuras "da consciência cívica". A acção dos arqueólogos é seguida de perto pelos estudantes que se organizam em associações para a defesa das gravuras: "Côa Vivo", Associação Juvenil Olho Vivo, "Movimento de salvaguarda da Arte do Côa", "Associação para a Defesa das Gravuras Rupestres do Foz Côa", constituída essencialmente por estudantes da Escola Secundária de Vila Nova de Foz Côa, a quem devemos o famoso slogan: "As gravuras não sabem nadar". Eles recebem o Presidente da República, que acaba por ir ver as gravuras em Fevereiro 95, pronunciando-se a favor da sua preservação. A organização de um "mega-acampamento" de jovens de todo o país em Vila Nova Foz Côa, em Abril 95, é o auge desse movimento juvenil a favor da arte do Côa. Organizam-se debates públicos sobre o tema em Lisboa e em Braga, onde a audiência de arqueólogos, historiadores e estudantes é aumentada pela presença de "cidadãos comuns". Multiplicam-se nesse ano artigos de opinião de pessoas oriundas dos mais variados horizontes, cujos autores defendem, na maioria, a preservação das gravuras.
Perante tanta resistência por parte da opinião pública, o Governo de Aníbal Cavaco Silva acaba por não tomar nenhuma decisão antes da eleições de Outubro 95. O recém-eleito primeiro-ministro, António Guterres, anuncia a suspensão das obras da barragem logo no primeiro dia de debate do programa do Governo no Parlamento. No final de 95, o projecto de barragem é definitivamente suspenso.
O desmantelamento e furto dos materiais existentes começou quase de imediato. Hoje é possível imaginar o que seria a barragem assim como a sua dimensão e impacto hídrico local. Preocupante é a transformação sem consequência do relevo no local e o custo por visitante às gravuras.
Conteudo inicial: Logbook, lapis e JULIO VERNE-WATCH 2.